Imagino o mundo ideal como um mundo organizado como o que descrevi: casa, família, vizinhança, sociedade; horários, divisão de trabalho, todos fazendo sua parte, cooperando para a harmonia coletiva; a vida dividida em fases bem delimitadas, com ordens internas, hierarquia e evolução, plantando, cuidando e colhendo; o dia dividido em tarefas, a semana dividida em compromissos, o mês dividido em projetos, o ano dividido em estações e atividades afins.
Como essa organização pode combinar com a liberdade? Liberdade é como defino a condição que me dá alegria, por não me sentir amarrado a compromissos. É a liberdade criadora, para mim tão necessária quanto comer e dormir.
Antes de pensar nisso, quero dizer que a rotina que me conforta pressupõe legitimação, isto é, ela é transmitida com afeto e conhecimento, não é imposta com submissão e ignorância. As crianças devem ser educadas aprendendo por que fazem o que fazem. Como o conhecimento é construído em relações, a criança recebe um modelo, mas pode interferir nele, de forma que as coisas continuam evoluindo. É como se os educadores (pais, professores etc.) dissessem: "Não é assim para te oprimir, é assim porque consideramos que assim é melhor, o que você acha?" Esclareço que não se trata de uma educação democrática, na qual a criança decide em igualdade com o adulto, mas uma educação democratizante, na qual ela participa. O adulto tem responsabilidades diante da criança, tem que ser firme e impor limites. Nisso, as salesianas e o Clic! têm o que dizer: a amorevolezza, o afeto com compreensão e firmeza, são a argamassa da educação.
Na verdade, essa educação já responde à minha pergunta: faz parte dela o respeito às diferenças. Cada criança é única e, embora viva em relações e coletivamente, cada um age de um jeito. Há indivíduos, desde crianças, que se diferenciam mais, aos quais não cabem coisas que cabem à maioria, e ele deve ser respeitado, deve ter o direito de ser diferente. O que não significa que não tenha de assumir compromissos e responsabilidades comuns a todos e cujo cumprimento o beneficia.
Vista dessa forma a rotina social não é um estorvo, mas uma necessidade que desde pequeno se aprende a seguir com prazer, o prazer das relações afetivas e do dever cumprido. Cabe a cada um identificar o quanto precisa de tempo livre, o quanto precisa ficar solitário, o quanto é e precisa fazer diferente dos outros. Não é uma oposição ao grupo e à sociedade, uma vez que, no fim, tudo que se faz é, digamos assim, doado à coletividade – toda criação, todo conhecimento.
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