domingo, 19 de setembro de 2010

O socialismo e a autodestruição humana

Seria temerário extinguir o capitalismo. Nada, porém, é mais urgente. O capitalismo é o sistema no qual a humanidade vive há séculos, no qual criamos todas as maravilhas que fazem parte da nossa vida hoje. No entanto, é ele que coloca em risco nossa vida neste planeta, o futuro dos nossos filhos e netos, a rica natureza que se criou na Terra durante bilhões de anos.

Extinguir o capitalismo não é um projeto político que se possa implantar. Marx e os socialistas, homens do século XIX, pensaram no fim do capitalismo como uma espécie de evolução natural da história. O capitalismo seria uma etapa, que evoluiu do feudalismo e que também seria substituída pelo socialismo. A ideia de luta de classes é essencial nessa teoria: os capitalistas lideraram a destruição do feudalismo e a criação do mundo contemporâneo, os trabalhadores liderariam a destruição do capitalismo e a construção da sociedade do futuro.

A história é conflito, pensavam Marx e os marxistas. Novas classes revolucionárias entram em conflito com classes dominantes antigas e as derrubam do poder, para realizar seus próprios interesses e ideias. Os interesses e as ideias do proletariado industrial são socialistas: igualdade social, democracia, liberdade, tudo aquilo que a burguesia prometeu e não foi capaz de realizar, nas suas revoluções. As promessas burguesas são incompatíveis com a sociedade de classes e só os trabalhadores podem implantá-las, ao criar sua própria ordem, a ordem socialista.

O fato é que essa evolução não aconteceu. Apesar das inúmeras revoluções do século XX, no século XXI ainda vivemos no sistema capitalista. E ele ameaça a sobrevivência da humanidade.

Essa constatação costuma ter duas contestações: a primeira é que o socialismo não deu certo, a segunda é que o capitalismo do século XXI é diferente do capitalismo do século XIX. São duas argumentações reacionárias que não condizem com os fatos e servem apenas para justificar a persistência nesse rumo de catástrofe no qual nos encontramos.

Não se pode dizer que o socialismo não deu certo porque ele nunca existiu. Qualquer pessoa minimamente informada sabe que a Revolução Russa estava longe de ser o que Marx propunha como revolução. A revolução socialista viria dos países mais desenvolvidos, como a Inglaterra. Esses países é que teriam grandes contingentes de proletários industriais capazes de fazer a revolução. O que aconteceu na Rússia foi uma revolução num país agrário, pré-capitalista; sua classe operária era pequena, sua indústria era fraca. O partido comunista organizado por Lênin era a força política mais lúcida e mais capaz; colocou-se à frente da revolução e liderou as massas revoltosas.

Daí a construir uma sociedade socialista ia uma grande distância, que não foi percorrida. Certamente, a morte de Lênin, um gênio político, e a ascensão de Stalin, um medíocre ditador, colaborou para isso. De qualquer forma, a tarefa de organizar uma sociedade socialista num país atrasado, sem passar pelo capitalismo, era um projeto que não foi previsto por Marx e nem mesmo por Lênin, até a última hora. O único pensador marxista que cogitou disso foi Leon Trotski, que dividiu com Lênin o comando da revolução, mas, como se sabe, Trotski foi derrotado, preso, exilado e morto por Stalin.

Não se pode, portanto, pôr na conta do "socialismo científico", que era como Marx chamava às suas ideias, em contraposição ao "socialismo utópico", o fracasso da revolução. Seria possível dizer isso caso o socialismo fosse implantado na Inglaterra, se espalhasse pela Europa, chegasse aos Estados Unidos e por fim aos países mais atrasados, como um novo sistema econômico, social e político que se dissemina, como aconteceu com o capitalismo. Se depois disso tudo saísse errado, aí sim se poderia dizer que a humanidade é incompatível com o reino da igualdade, da fraternidade e da liberdade.

De qualquer forma, a revolução socialista não aconteceu nos países capitalistas mais desenvolvidos. Pode-se alegar que a classe operária foi traída por suas lideranças, que os capitalistas recorreram às guerras e ao totalitarismo para derrotar a revolução, que os trabalhadores optaram pelo reformismo, conciliando capitalismo e conquistas sociais, e que estas foram possíveis nos países mais avançados à custa do aumento da exploração e da opressão nos países periféricos. Tudo isso é verdade. É verdade até mesmo que foi a Rússia "socialista" que derrotou o nazismo e impediu que o totalitarismo dominasse a Europa. O fato, porém, é o capitalismo sobreviveu e continua sendo o sistema no qual vivemos.

O capitalismo do século XXI é diferente do capitalismo do século XIX? Os avanços tecnológicos dão essa impressão, a disseminação da democracia representativa liberal também. A questão é saber se mudaram suas características essenciais: a propriedade privada dos meios de produção concentrada nas mãos de uns poucos, a exploração do trabalho assalariado, a dominação de classe, ainda que sob a roupagem de governos eleitos. Está claro que nada disso mudou. Hoje, a dominação burguesa se dá de forma sofisticada, por meio de mecanismos ideológicos que vendem chances de ascensão social e mil maravilhas de consumo para todos. No entanto, a desigualdade social e as violências cotidianas contra os pobres nunca foram tão grandes.

O que há de novo no capitalismo é que ele desenvolveu de tal forma as forças produtivas que estão levando a humanidade à catástrofe. Há uma evidente contradição entre a quantidade de riquezas que o sistema produz e a sua distribuição. Há uma evidente contradição entre o que o ser humano é capaz de fazer hoje e a incapacidade de decidir o que é melhor para todos e para o futuro. O desenvolvimento econômico descontrolado do capitalismo é responsável pelas catástrofes climáticas atuais e pelas ameaças que pairam sobre as próximas gerações.

A caracterização dessa ideia como "catastrofismo", o argumento de que isso não vai acontecer, que a humanidade (o capitalismo) saberá resolver mais este problema, faz parte da ideologia capitalista contemporânea, cuja essência sempre foi a dominação e a exploração das massas por meia dúzia de proprietários. A única verdade que existe nela é luta dos capitalistas para não perderem seus privilégios. Eles preferem morrer a ver o capitalismo acabar. Afinal, para eles – e só para eles – as duas coisas são uma só.

O dilema da humanidade consiste, portanto, nessa tragédia: os capitalistas nos conduzem para a autodestruição e os trabalhadores não foram capazes de criar o socialismo. Parodiando o Chapolin Colorado, quem poderá nos salvar?

O fato é que precisamos criar uma nova sociedade capaz de conciliar riqueza econômica, qualidade de vida, conservação do ambiente, igualdade, liberdade, fraternidade. A desigualdade social é uma opressão que não tem mais razão de existir, a conciliação entre produção de riquezas e conservação (e recuperação) da natureza é questão de sobrevivência para as próximas gerações. O que as gerações atuais estão fazendo é consumir tudo que existe para consumir e deixar lixo para nossos descendentes. É um comportamento moralmente condenável e naturalmente suicida.

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