terça-feira, 14 de setembro de 2010

Sobre teses, reportagens e textos longos

Minha passagem pela Veja foi rápida, mas marcante. Menos pela revista do que pela posição que ocupei e pelo trabalho que fiz. Como chefe da sucursal, distanciado da rotina da revista, ocupado em produzir uma revista local, a Veja Minas Gerais, que chamávamos de Vejinha, eu coordenei uma grande equipe de repórteres e fotógrafos frilas que durante alguns meses tocaram freneticamente dezenas de pautas, entrevistando, fotografando, viajando, escrevendo. Tinha gente nova e talentosa, como a Cláudia e o André, e gente experiente de primeira linha, como o Zé, a Roselena e o Eugênio. Da minha parte, me exercitei pensando boas pautas – uma das minhas atividades prediletas no jornalismo, que consiste em estar permanentemente atento à realidade e perceber novidades que podem gerar matérias interessantes – e costurando textos às vezes escritos por vários repórteres, em vários momentos diferentes.

Aquela experiência na Veja me deu a dimensão do poder fantástico de uma redação. Eu tinha poder (ilusório, como veria depois) para contratar os melhores profissionais da cidade para produzir as matérias que eu queria e exercitei isso apaixonadamente, diariamente, exceto aos sábados e domingos. Chegava à revista às dez da manhã e raramente saía antes da meia-noite. Mas valia a pena, pois me dedicava ao que queria, orientava repórteres, falava ao telefone, conhecia pessoas (um interlocutor frequente foi Gerson Sabino, irmão do escritor Fernando, grande conhecedor de todos os esportes, viajante incansável pelo mundo afora, dono de memória prodigiosa e excelente prosa), conversava, lia, escrevia. A única coisa que eu não fazia era dar satisfações a São Paulo.

Durante algumas semanas isso funcionou bem, depois começaram as visitas de chefetes da sede, em seguida a derrubada de matérias e a imposição de pautas. Quando fui demitido, por telefone, numa segunda-feira, eu já sabia que as coisas iam mal. Na semana anterior, o subchefão, mal educado e truculento, tinha me tirado da minha rotina usual, combinada pessoalmente entre nós dois, quando fui contratado para o cargo e ele fora só doçura e simpatia; me mandou pegar estrada para fazer uma matéria em Ipatinga para a Vejona.

Se cometi um erro na Veja foi não ter enfrentado o subchefão, não ter bancado até o fim o trabalho feito pelos frilas que contratei para a referida matéria. Arrependo-me de não lhe ter dito "não", de não ter dito que eu não fora contratado para fazer aquilo, que não tinha o menor interesse em trabalhar na Vejona e que se a proposta anterior não valia mais, ele devia me demitir. Teria saído de cabeça erguida, o que não aconteceu na semana seguinte. Saí da Veja querido pelos colegas com quem trabalhei, orgulhoso do que conseguimos fazer e enriquecido pelo que aprendi naquelas 14 semanas de trabalho intenso.

O que aprendi na Veja foi escrever textos longos. O exercício fascinante da pauta (ainda hoje fico pensando em como as publicações podem ser melhores, se tiverem pautas inteligentes e criativas) foi na verdade um aprimoramento do que eu aprendera e praticara no JB durante mais de cinco anos e sonhava fazer num jornal local. Foi por isso que recusei convite para ir trabalhar na Veja em São Paulo, mas aceitei ser chefe da sucursal de Belo Horizonte e impulsionar a Vejinha. Por isso também, mais tarde, aceitaria ser editor de Cidades de um novo jornal que se formava aqui, O Tempo. Esse desejo de fazer jornalismo local de qualidade, de aproveitar em benefício da cidade o que eu aprendera no JB, era a minha motivação para a profissão nos anos 90. A qualidade do jornalismo começa na pauta e continua na apuração de informações por bons repórteres. Isso eu já sabia – na Veja aprendi a costurar reportagens.

Aprendi também, dolorosamente, que aquela proposta feita com doçura pelo já falecido subchefão, em São Paulo, e a independência que eu exercitava eram uma fantasia. Entre o que eu considerava boas pautas e o que a Vejinha pretendia fazer havia uma grande distância. Minha opção foi por me encastelar e fazer o que eu queria, até (praticamente) o fim. Como disse, eu não dava satisfações à sede, passava o tempo envolvido com minha equipe, fontes, fotos e textos. Sem me preocupar com a exposição do meu nome, que nunca apareceu no expediente da Vejinha (só aparecia na Vejona), eu costurava os textos dos repórteres e pensava pautas continuamente, aproveitando cada acontecimento. Uma vez fui visitado por uma moça linda, das mais bonitas que conheci na minha vida, que divulgava uma festa. Para prolongar aquela companhia agradabilíssima aos meus olhos e ouvidos carentes, estendi a conversa, transformei-a numa entrevista.

Aquele foi meu melhor momento na Veja, combinou um dos meus maiores prazeres, a companhia de mulheres bonitas, com o conhecimento de um fenômeno que começava em Belo Horizonte, o das festas shows com artistas famosos em lugares inesperados, como sítios, e que atraíam multidões de jovens. Dele nasceu uma pauta rara, que bateu plenamente com a pauta de São Paulo: o que era matéria para mim, pois revelava realidades inexploradas da cidade, servia também à revista, pois falava de gente da elite e possibilitava belas fotos, essência da Vejinha. Pauta que precisou ser produzida (uma equipe compareceu a uma festa, num sábado à noite, num sítio na Pampulha, cuja estrela foi a cantora Fernanda Abreu), mas se confirmou plenamente.

Se eu ficasse só nesse tipo de pauta (matérias de comportamento, novidade na época, são os tiros mais certos no jornalismo de revista), provavelmente teria dado certo, mas eu queria fazer jornalismo de verdade, sem restrições. Tinha a experiência no JB, o faro para boas matérias, desenvolvido também naquela memorável redação, tinha bons profissionais, recursos sem limites e uma cidade carente de jornalismo de qualidade. Eu não punha limites ao meu trabalho e ignorava os sinais de São Paulo. Sinais fortes como um manual de redação informal, que já circulava entre os frilas, quando cheguei, e que eu li, mas não copiei, coisa de que me arrependo. Esse manual orientava os repórteres, didaticamente e com exemplos, sobre textos e imagens que cabiam na revista. Não cabiam, por exemplo, gente pobre nem gente feia. "Não é o nosso público", explicava o manual.

Por conta dessa experiência (muitos frilas estavam lá há muito tempo, tinha passado por três ou quatro chefes da sucursal), repórteres costumavam argumentar que minha pauta ia cair, mas eu mantinha minha autoconfiança. Meu sucesso inicial criou ambiente de entusiasmo na redação, durante algum tempo. Eu era um bom chefe: ouvia, dava apoio e condições de trabalho, orientava, elogiava, cobrava, corrigia e melhorava o trabalho de cada um. Formamos uma boa equipe. O único problema é que eu fazia uma revista e a Veja queria outra. Enquanto chefes me davam sinais cifrados (nunca fui bom em sinais cifrados, que parecem fazer parte do jogo do poder, sempre me guiei pelo que os chefes diziam explicitamente, sem usar outros expedientes; uma vez ignorei a "sugestão" do subchefão de "aproveitar" o filho de um deputado que não era jornalista para fazer sei lá o quê: "aqui fazemos jornalismo, o cara não entende nada do assunto", pensei, e esqueci a insinuação), eu trabalhava, seguindo o estilo que aprendera com o mestre Zé de Castro.

E o trabalho que mais me consumia, e cada vez mais, era costurar os textos dos repórteres. Foi o que aprendi na Veja. No jornalismo diário, aquilo praticamente não existia: cada repórter escrevia sua matéria, em geral curta, e o editor publicava ou não, no máximo cortava ou pedia para acrescentar ou esclarecer alguma informação. Na revista, estilo que Veja inaugurara no Brasil e que a Vejinha usava, o repórter apurava exaustivamente (detalhes das personagens, do ambiente e da situação eram necessários para "reconstituir" a história que se contava) e escrevia relatórios. Cabia ao redator ou editor dar forma àquilo, costurando as informações e acrescentando o que faltava. Era comum pedir ao repórter para "completar" a matéria – uma, duas, três vezes. Cada nova apuração praticamente gerava uma nova matéria.

Esse costume provocava terror nos frilas, pois podia acontecer a qualquer hora, inclusive de noite, e o repórter tinha de voltar à fonte; matérias que não precisavam ser "completadas" – como a única que eu fiz, antes de ser contratado como chefe (única vez também em que meu nome apareceu na Vejinha) – eram raríssimas, indicavam que o repórter era muito bom e provocavam profundo alívio. Também para o redator esse trabalho é terrível, pois parece não ter fim (sempre tem um chefe acima que questiona e pede mais) e gera uma quantidade tal de informações, que é muito fácil o produto final conter erros. Ou criar uma peça de ficção, que o repórter, autor original da informação, não reconhece, mas cujas consequência, em caso de erros, sofre, uma vez que é o seu nome que aparece assinando a matéria. Quando entrei na Veja, já conhecia uma piada corrente, que diz que o repórter da revista aprende a identificar, no texto final, as vírgulas que ele escreveu.

Na prática, a pauta da Veja é um conjunto de "teses", formuladas pelos editores na reunião de pauta, teses brilhantes, mas distantes da realidade. Se confirmadas, formam uma bela edição, repleta de conteúdos interessantes. No entanto, entre a pauta e o texto final tem a apuração, e o repórter normalmente não encontra a realidade indicada. A realidade sempre é diferente da pauta. Sempre é melhor também, na minha opinião, porque é a realidade, e jornalismo é mostrar a realidade. O bom repórter sempre melhora a pauta, sempre descobre novidades imprevistas, sempre surpreende o editor.

Acontece que Veja é feita por editores, não por repórteres. Além disso, não está preocupada em mostrar a realidade, mas apenas parte dela, para uma parte do público. Essa lógica cria uma prática que pode ser resumida assim: os editores inventam matérias sensacionais e o repórter sai a campo para colher informações que confirmem e deem veracidade à ideia original. Esta pode ser ligeiramente adaptada, mas é fundamental que se confirme. Obviamente, não se trata de jornalismo, mas de ficção. Com essa fórmula se escreve qualquer matéria, bastando a definição inicial, como naquela famosa piada de redação: Editor: "Escreva um editorial sobre Jesus Cristo". Redator: "A favor ou contra?"

No caso das Vejinhas (em cada grande capital tinha uma), havia um aborrecimento adicional: toda boa matéria feita por uma sucursal devia ser repetida pelas demais, adaptada às condições locais, isto é, com novas personagens, histórias e fotografias, sem contestar a pauta. Era um tipo de jornalismo em escala industrial. Essa prática gerava matérias ridículas e revistas artificiais, que nunca "pegaram" – a Veja Minas Gerais não demorou a ser extinta, assim como outras, restando hoje apenas as edições locais de São Paulo e Rio, se não me engano, exatamente as cidades que menos precisavam de jornalismo independente.

Analisando a Vejinha, hoje, penso que realmente não podia dar certo. Ela vinha encartada na Veja, como uma espécie de suplemento estadual. Tinha em torno de 32 páginas, mas somente as primeiras, umas 12, continham matérias. Para ser exato, três matérias, seguindo uma fórmula padrão: uma matéria de uma página, uma matéria de duas páginas e a matéria de capa, com quatro a seis páginas. O resto da revista era ocupada com programação cultural em Belo Horizonte e nas maiores cidades do interior, praticamente uma revista à parte, com pessoal e logística próprios. Na última página, o expediente só incluía pessoal de São Paulo, do editor executivo aos diagramadores, nenhum nome belo-horizontino, nem o meu.

Estes detalhes demonstravam como a Veja Minas Gerais era um produto paulista. Quando aceitei o convite e mergulhei no trabalho, eu me fiei em palavras e ignorei a realidade. Se desviasse meu olhar do meu desejo de fazer bom jornalismo em Belo Horizonte para analisar o que era efetivamente a Vejinha e como funcionava, se me desse o trabalho, mais maduro e menos idealista, de observar em torno, ler as edições antigas e "trucar" São Paulo, certamente minha experiência teria sido diferente, provavelmente mais breve ainda. Feita em BH, a revista era toda decidida em Sampa, sem qualquer autonomia, sequer a da pauta. No entanto, ninguém melhor para saber o que interessa aos belo-horizontinos do que repórteres da cidade.

A camisa-de-força do modelo da Vejinha a tornava artificial, incapaz de "pegar" em Belo Horizonte, exceto como indicador de programação – mas isso também não é jornalismo. Por isso, quando folheio hoje aquelas revistas, identifico apenas meia dúzia de boas reportagens, em todo o período, em geral materinhas leves. E não foi por falta de pauta, um calhamaço semanal, do qual São Paulo aprovava quase nada. Mesmo as melhores são textos desfigurados e contêm erros grosseiros como o nome do repórter ou do entrevistado. Bem poucas são as matérias, como a das festas, que ficaram no tom certo, que saíram com informações corretas e que dão prazer de ler. Uma destas me é especialmente cara: o emocionante reencontro que promovemos entre o craque Toninho Cerezo e o treinador que o lançou, Telê Santana, no sítio deste, em Lagoa Santa.

Bodes expiatórios favoritos da imprensa para a eliminação do Brasil na Copa do Mundo de 1982, estes dois símbolos da história do Atlético viviam, nove anos depois, o que parecia ser o auge do sucesso, como campeões nacionais, Telê dirigindo o São Paulo, Cerezo jogando pelo Sampdoria, da Itália. Na verdade, eles iriam, juntos, ainda mais longe, ao conquistar o título de campeões do mundo pelo São Paulo. Título da matéria: "Volta por cima". Parece incrível, mas nenhum jornal local teve a ideia dessa pauta óbvia, que rendeu uma reportagem histórica. Pensada para capa e apurada com prazer pelo experiente Manuel Muñiz, em ritmo de bate-papo, a matéria acabou saindo com inusitadas três páginas, na mesma edição que publicou reportagem do Zé de Castro sobre as barragens da Cemig e um box, feito por mim e não assinado por SP, sobre sua fantasia de comprar o Estado de Minas. Foi nossa melhor revista.

O exercício de costurar textos e escrever uma grande reportagem é, porém, uma experiência extraordinária, quando o conteúdo é bom e não se tem a função de distorcê-lo. Fiz isso semana após semana em inúmeras matérias, algumas vezes com sucesso, como na matéria das festas e em outra, sobre as barragens da Cemig construídas pelo ex-governador Newton Cardoso. O aprendizado me serviu para o resto da minha vida profissional e é o que agradeço à Veja, da qual, apesar dos pesares guardo boas lembranças. Não tenho do que me queixar, apenas lamento que a editora Abril, com a estrutura e a experiência que tem, não se dedique a produzir bom jornalismo. É realmente uma coisa frustrante e mais um exemplo de como o capitalismo, com seus interesses mesquinhos, tolhe o progresso da humanidade. A qualidade da imprensa burguesa está muito aquém do que o avanço dos meios de produção possibilita.

Todas essas lembranças foram provocadas pela leitura de uma dissertação de mestrado cujos mecanismos implícitos eu percebi e que se assemelham ao jornalismo da Veja. Também o mestrando tece um texto, costura informações, preenche vazios com informações pescadas aqui e ali, ad hoc, para confirmar sua hipótese de trabalho.

No fim das contas, tudo é ficção, um bom redator pode transformar em texto verossímel informações desconexas e contraditórias. O que vale nesse trabalho, na verdade, é a integridade pessoal, é saber até onde podemos ir para contar nossa história, até onde falsificamos a realidade, até onde a retratamos honestamente, ainda que limitados por nossas incapacidades e idiossincrasias. Para isso, é preciso ter humildade e sabedoria e reconhecer que a realidade é sempre melhor do que as nossas ideias.

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