sexta-feira, 15 de outubro de 2010

21 anos de eleições presidenciais: o débito democrático

O governo Lula encerra um ciclo de 21 anos de governos civis comandados por presidentes eleitos diretamente. É o mesmo tempo que durou a ditadura militar. Entre os dois ciclos, uma transição de cinco anos: o governo Sarney – civil, porém, eleito indiretamente, como os presidentes militares; compromissado com o povo, porém homem de confiança do regime.

Indepementemente do resultado da eleição do próximo dia 31, o fim do governo Lula fecha um ciclo em que o Brasil viveu um período rico de experiência democrática. É salutar que tenhamos mais um(a) presidente eleito(a) diretamente. Acima de tudo, devemos desejar fervorosamente que ele (ela) termine seu mandato e que um novo (uma nova) presidente seja eleito(a) em 2014.

Não é pouco. O Brasil entrou no século XX pelas mãos de uma revolução (1930), seguida de uma ditadura (1937). Os primeiros progressos sociais significativos deste país foram doados por um governo autoritário. A experiência democrática que se seguiu, a chamada "república populista", durou só 19 anos (1945-1964), e elegeu apenas quatro presidentes, dos quais dois não terminaram seu mandato – um suicidou, outro renunciou. Acrescentemos a eles o presidente João Goulart, vice-presidente que assuntiu a presidência na renúncia de Jânio Quadros, e que foi deposto pelo golpe militar de 1964, e constataremos facilmente que aquela experiência não foi exitosa.

A experiência atual resistiu à eleição e reeleição de um presidente de esquerda, filiado a um partido trabalhista. Também não é pouca coisa. Repetindo: o primeiro presidente trabalhista do Brasil, Getúlio Vargas, suicidou, em 1954, para não ser deposto. O segundo, Goulart, foi deposto.

Os 21 anos da ditadura militar são uma ferida que até hoje não cicatrizou. Seus efeitos nefastos perduram. Experimentar 26 anos de governos civis, 21 anos de governos eleitos diretamente, eleger seis presidentes sucessivamente, é um feito a ser comemorado. Sobretudo, é um motivo de orgulho para mais de 135 milhões de eleitores que este ano decidiram nas urnas o futuro do país. A República Velha (1889-1930) foi mais longeva e elegeu 11 presidentes, mas naquele período, o povo não votava.

A continuidade da ordem democrática é fundamental para o progresso do país. A sucessão de governos sem interrupção dessa ordem demonstra que a solução democrática prevalece, que vamos aprendendo e seguindo em frente. Podemos dizer que nesses 26 anos tivemos presidentes de todos partidos importantes, daqueles que sobreviveram à ditadura até aquele que representou a maior renovação da política brasileira em todos os tempos. Apenas a extrema esquerda, por dizer assim, os partidos socialistas, comunistas, marxistas e revolucionários não lograram conquistar a presidência pelo voto direito. (Boa parte deles não se importa muito com eleições.)

Primeiro, foi o PMDB, de Sarney, associado ao PFL (ex-PDS, ex-Arena, os herdeiros "democráticos" da ditadura militar, hoje denominado DEM). Depois de dois anos instáveis, o governo do PSDB, que começou com Itamar, em 1992, quando o presidente Collor foi impedido. Já com o presidente FHC, os tucanos permaneceram mais oito anos no governo, graças ao Plano Real, e sempre coligado com o PFL, cujos filiados em muitos casos estavam no poder desde 1964, somando nada menos do que 38 anos sem soltar o osso, um recorde mundial, quem sabe. Em 2002 foi, enfim, a vez ao PT chegar ao poder, com o presidente Lula; com a reeleição em 2006, passaram-se oito anos.

E agora? O que é que o Brasil vai experimentar? Experimentamos sucessivos planos econômicos até um que conseguiu controlar a inflação. Experimentamos governos de todas as matizes em busca da realização das aspirações que toda uma geração de brasileiros proclamou nas ruas, em 1984, na campanha Direjas já!, o maior movimento cívico da história do país. Governado por todos os partidos, que balanço podemos fazer do Brasil hoje? Quanto foi alcançado daquela democracia sonhada coletivamente em praça pública nos extertores da ditadura?

Talvez a gente possa começar perguntando a nós mesmos, depois dessa longa experiência, o que é democracia. Com o que é que sonhávamos quando reivindicamos, aos milhões, juntos, eleger o presidente pelo voto direto outra vez? Se democracia é eleger diretamente o presidente, isso nós já temos. Se é mais que isso, certamente constataremos que os presidentes eleitos em mais de uma década estão em débito com os nossos sonhos. Neste caso, pagar este débito é a principal tarefa do(a) presidente eleito(a).

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