segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O segundo turno é uma eleição para a minoria

No artigo O movimento dos votos, publicado no último domingo, 24/10, o sociólogo Marcos Coimbra, presidente do Vox Populi, analisa a transferência de votos do primeiro para o segundo turno da eleição presidencial. O que ele diz de mais relevante é o que eu escrevi no portal Minas Livre há duas semanas: o segundo turno é "outra eleição" para os eleitores da Marina, que precisam fazer uma nova escolha. As pesquisas indicam que o voto nos candidatos está consolidado, a transferência é mínima e equivalente. Também não há mudanças significativas em relação a votos nulos, brancos e abstenção. Assim, diz o sociólogo, decisivos mesmo são os eleitores de Marina – e eles deverão dar a vitória a Dilma.
Coimbra e o Vox estão em quarentena, porque erraram feio, ao prever a vitória da candidata do PT no primeiro turno; agora precisam acertar, e bem, no segundo. Independentemente das suas conclusões, porém, a análise do sociólogo é interessante. Se está certa, isto significa que a votação poderia ficar restrita aos eleitores de Marina! Já que os eleitores de Dilma (47%) e Serra (33%) não mudam seu voto, é exclusivamente aos eleitores de Marina que os candidatos têm de se dirigir. O segundo turno torna 20% do eleitorado mais importantes do que 80%, a minoria vale mais que a maioria! No entanto, durante quatro semanas, os candidatos repetem toda a campanha e falam para todo o eleitorado, inutilmente.
Para que, afinal, o segundo turno? Nas quatro eleições presidenciais do período populista (1945-1964), levava o candidato mais votado e ponto final. Juscelino Kubitschek, por exemplo, foi eleito presidente com os votos de um terço do eleitorado. O método provocava questionamentos sobre a legitimidade do presidente, pois "quem sabe" a maioria não preferisse o que ficou em segundo lugar? Ou terceiro? Daí o segundo turno, incluído no artigo 77 da Constituição de 1988. Seu objetivo é que o eleito obtenha a preferência inquestionável da maioria do eleitorado.
Se o propósito é legítimo, o método é questionável – seja o prazo para a segunda votação, seja a forma como ela ocorre e até mesmo a sua existência. Sim, porque, o fato de não haver segundo turno não significa que não houvesse a acomodação de votos que ocorre nele. Haveria o chamado "voto útil": se meu candidato predileto não vai ganhar e pode ganhar aquele que eu rejeito, eu cogitaria na possibilidade de votar em outro que eu rejeito menos, mas tem chance de ganhar. Acontece assim nos países em que não existe segundo turno.
Há uma tendência geral, que já se verifica também no Brasil há algumas eleições, de polarização entre dois candidatos, ou duas forças políticas. Não seria exagero dizer que é a própria polarização da luta de classes: capitalistas X trabalhadores – embora a democracia burguesa fuja dessa ideia como o diabo da cruz. Apenas a primeira eleição direta do atual período histórico escapou disso.
Em 1989 houve 22 candidatos e pelo menos meia dúzia deles disputavam a preferência do eleitorado, alternando lugares na gangorra das pesquisas. No fim, três se destacaram: Collor, Lula e Brizola. No segundo turno as esquerdas se uniram em torno de Lula e as direitas em torno de Collor, dividindo o eleitorado praticamente em duas partes iguais. De lá para cá, isso acontece já no primeiro turno, com a polarização dos partidos mais fortes: o PT, por sua trajetória e raízes sociais, o PSDB como herdeiro do plano de estabilização econômica e das esperanças da direita.
A experiência de seis eleições transformou o segundo turno de uma panaceia democrática em uma eleição de vale tudo. É natural que isso tenha acontecido. Em 1988, quando a Constituição foi escrita, buscávamos fórmulas ideais para a solução dos problemas brasileiros, sufocados por 21 anos de ditadura. O segundo turno era uma dessas fórmulas ideais difíceis de serem contestadas, a não ser pela experiência. É o que temos agora, depois de mais 21 anos e seis eleições.
A pesquisa da Vox analisada por Coimbra ilumina com números a situação. Convenhamos: que ganho tivemos nessas quatro semanas, senão baixarias e tentativas de ganhar a qualquer custo (por parte do candidato oposicionista)? Deixando de lado os métodos protofascistas da direita brasileira, o segundo turno favorece baixarias, pois concentra acusações mútuas e cria o clima do antagonismo entre o bem e o mal. No primeiro turno, com outras forças em disputa, esses conflitos se dispersam, em parte.
No segundo turno, é preciso conquistar os votos de uma parcela transformada em decisiva. Que parcela é essa? O que ela pensa? O que quer? De repente, uma minoria radical se torna fiel da balança. Para conquistá-la e os votos necessários à sua eleição, o candidato promete o que não está no seu programa, faz acordos que desfiguram seu futuro governo. É isto democrático? É democrático submeter a maioria à minoria? A legitimidade da maioria (formada, afinal, com adesão de uma minoria talvez pouco convicta) vale o festival de baixarias que o segundo turno concentra? Sem falar no alto custo da própria campanha.
Não há fórmulas representativas infalíveis, é a experiência que deve dizer qual é melhor, qual é a pior. Ou: qual é menos pior. Há apenas um princípio democrático elementar: todos são iguais. É dele que a democracia deve procurar se aproximar, ampliando consultas, criando mecanismos de participação, inclusive aqui, na web. Quando a Constituição de 88 foi elaborada, a internet e seu potencial democratizante não existiam.
O segundo turno precisa ser revisto. Talvez o erro esteja na existência de uma nova e extenuantemente longa campanha eleitoral – apurado o resultado, a nova votação poderia ser feita uma semana depois da primeira. Talvez seja um defeito de origem do sistema presidencialista, uma vez que no parlamentarismo o partido vitorioso passa, em seguida, a compor com outros a sua maioria para governar. O fato é que o poder conferido à minoria para decidir pela maioria não pode ser considerado um critério democrático. O festival de baixarias a que assistimos nas últimas semanas tampouco contribuiu para o avanço democrático do país.

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