Caso José Serra seja eleito (toc toc toc) presidente no próximo dia 31, será um feito sem precedentes na história do Brasil. E não apenas porque o tucano precisa reverter uma vantagem de 14,5 milhões de votos obtida pela candidata do PT, Dilma Rousseff. É que a direita brasileira nunca conseguiu eleger seu candidato. Num país tão desigual, a imensa maioria pobre sempre preferiu os candidatos da esquerda, mais sensível às aspirações populares. O governo Lula promoveu a ascensão de milhões da classe D para C, elevando sua renda, fazendo surgir uma nova classe média. O voto da classe média é ambiguo e flutuante. Será Lula responsável, indiretamente, pela guinada de parte da população para a direita?
É fato que os candidatos da direita nunca foram populares. Recordemos. A democracia brasileira começou em 1945, com a queda do ditador Getúlio Vargas, ao final da 2ª Guerra Mundial. Getúlio, como todos sabemos, havia comandado um governo autoritário, mas era popular, pois criou a legislação e o sistema estatal que amparam os trabalhadores. Criou também os partidos PSD e PTB. O primeiro presidente eleito foi o general Eurico Dutra, do PSD, apoiado por Getúlio. O candidato da direita era o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN.
O próprio Getúlio foi eleito em 1950, pelo PTB, derrotando o mesmo brigadeiro da direita. Em 1955, Juscelino Kubitschek, do PSD, derrotou novamente outro udenista, o general Juarez Távora.
Para chegar ao poder, em 1960, a direita abriu mão de lançar candidato. A UDN entrou na canoa furada de Jânio Quadros, do pequeno PTN – Partido Trabalhista Nacional, um clone do PTB de Getúlio. Jânio renunciou depois de seis meses, deixando no seu lugar o vice-presidente João Goulart, do PTB. Naquela época, presidente e vice-presidente eram eleitos separadamente, daí a eleição de um vice-presidente de esquerda. Jânio era de direita, mas uma direita populista, que usou seu carisma para juntar o discurso moralista da UDN com os métodos populistas do PTB.
A experiência aventureira da direita com Jânio seria repetida na eleição de 1989, apesar das consequências desastrosas de 1960. Cansada de perder eleições e de novo na oposição, durante o governo Jango, a direita apelou para o golpe de Estado, em 1964. Durante 21 anos ela governou por meio de governos militares. Seguiu-se à ditadura um governo civil eleito indiretamente mediante acordo político das elites. Quando finalmente a eleição direta voltou, a direita viu naufragarem, um após outro, todos os seus candidatos.
Na reta final do primeiro turno, as pesquisas indicavam três candidatos mais fortes, dois de esquerda: Brizola, do PDT, partido herdeiro do PTB, e Lula, do novo PT. O terceiro pertencia a um partido pequeno, sem expressão, o PRN, que mudou de nome às vésperas das eleições – chamava-se PJ, Partido da Juventude. O ex-governador de Alagoas, Fernando Collor, era ainda mais jovem do que Jânio, em 1960. Ele tinha a vitalidade que faltava aos candidatos prediletos da direita e do centro (Mário Covas, do PSDB, Aureliano Chaves, do PFL, Ulysses Guimarães, do PMDB, Paulo Maluf, do PDS, Afif Domingos, do PL) e ainda carisma para conquistar as massas populares errantes.
Prevendo o desastre, a direita mais uma vez embarcou na canoa furada do candidato aventureiro, ainda no primeiro turno. Tapou os furos e ajudou-o manipulando o noticiário (o fato mais notório e de maior repercussão foi a reedição do último debate na tevê pela Rede Globo), para que fosse eleito no segundo turno. (Collor apelou tambem para baixarias, usando o mesmo tema ao qual Serra recorre este ano contra Dilma, o aborto – como vimos em outro artigo.)
Deu no que deu. Collor, assim como Jânio, não terminou seu governo. O aventureiro não se mostrou confiável e, aos poucos, a direita lhe retirou apoio, até que um processo de impeachment, precedido de ampla mobilização popular, afastou o primeiro presidente eleito diretamente depois da ditadura militar.
O presidente eleito em seguida, Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, foi uma exceção. A direita conseguiu pelo primeira vez eleger o candidato dos seus sonhos e governou com ele durante oito anos. Esta exceção foi possibilitada por fatores extraordinários que só confirmam a regra. Em primeiro lugar, os tucanos não tinham ainda se identificado tão claramente com a direita – no segundo turno da eleição de 1989, por exemplo, apoiaram Lula.
Em segundo lugar, e fator mais importante, FHC foi eleito como o candidato do Real, o plano de estabilização econômica cujos primeiros resultados atenderam a um desejo popular que remontava à ditadura. Pela primeira vez em quase vinte anos, a inflação foi controlada e a economia começou a crescer, gerando empregos e oportunidades. Este fato fez com que o presidente Itamar Franco, vice que concluiu o mandato de Collor, conseguisse eleger seu candidato e ministro da Fazenda, apresentado como responsável pelo sucesso do plano.
No governo FHC os tucanos completaram seu deslocamento da centro-esquerda para a centro-direita, transitando da social-democracia para o neoliberalismo, adotando a política ensaiada pelo presidente afastado e alinhando-se com as orientações econômicas do governo americano.
A lua-de-mel dos tucanos com o eleitorado durou cerca de cinco anos, tempo suficiente para que FHC aprovasse emenda constitucional que instituiu a reeleição e fosse reeleito. No segundo mandato, entretanto, a economia começou a desmoronar e com ela a breve popularidade da direita brasileira. Quando ficou evidente a incompetência da direita para conduzir a economia e manter beneficios duradouros para a maioria da população, esta se voltou para a esquerda novamente, elegeu Lula em 2002 e o reelegeu em 2006.
Os fatos são estes e, como disse, é compreensível que seja assim, num país tão profundamente desigual e antidemocrático quanto o Brasil. Lula recolocou o trem da história de novo nos trilhos. O candidato da direita nunca venceu uma eleição, quando a direita chegou ao poder foi porque apoiou candidatos aventureiros que não terminaram seus mandatos. A única exceção foi FHC, o qual, entretanto, não se apresentou como candidato da direita contra a esquerda, mas candidato da continuação da estabilidade econômica, de cujos benefícios a maioria de população desfrutava.
Nem em 1994, nem em 1998 e nem mesmo em 2002, a eleição se apresentou como se apresenta este ano, um combate entre candidatos de direita e de esquerda, com propostas de governo distintas, que podem ser comparadas não apenas em discursos, mas em experiências de governo. Dilma tem todos os fatores a seu favor, da força eleitoral histórica da esquerda aos benefícios que ela gera para a maioria quando está no governo.
Nenhum desastre nos ameaça, nenhuma decepção abala as simpatias esquerdistas da maioria da população, reforçadas pelos êxitos espetaculares e surpreendentes do governo Lula. A economia nunca esteve tão bem. Vencer esta eleição seria uma façanha sem precedentes para a direita brasileira. É difícil imaginar que ela esteja reservada a um candidato tão antipático e arrogante quanto Serra.
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