segunda-feira, 29 de novembro de 2010
O Almirante e o Doutor
Acho que o marinheiro João Cândido Felisberto ficaria feliz se pudesse saber que, um século depois da revolta que liderou, o Brasil elegeu uma mulher presidente, depois de ter sido governado durante oito anos por um operário – um Doutor na arte de governar, assim como o marinheiro tornou-se um verdadeiro Almirante dos mares. Em maio passado, o Almirante foi homenageado pelo Doutor, que batizou com seu nome o primeiro navio da nova frota da Transpetro lançado ao mar. Foi o primeiro navio feito no Brasil para a Petrobras, em 13 anos. Petrobras, João Cândido, Lula, Dilma. Tem um Brasil sendo desenhado nestes "pontos de bordado", um Brasil diferente daquele feito pelos doutores e almirantes que não merecem seus títulos. Um Brasil melhor.
Tomo a ideia do bordado emprestada do historiador José Murilo de Carvalho, autor do ensaio Os bordados de João Cândido, sobre o herói da Revolta da Chibata. São dele também muitas das informações que se seguem. João Cândido era um marinheiro típico: um crioulo "alto, feio e forte", filho de ex-escravos. Nasceu em 1880, no Rio Grande do Sul; morreu em 1969, no Rio de Janeiro. A grande tristeza da sua longa vida foi ser traído pelo governo, expulso da Marinha e ver seus companheiros morrerem cruelmente. Para expurgá-la, bordou toalhas, no período em que esteve encarcerado.
Consta que João Cândido não era rebelde nem organizou a revolta, que eclodiu nos encouraçados Minas Gerais e São Paulo, no dia 22 de novembro de 1910, mas assumiu seu comando devido a sua ascendência sobre os marinheiros. Os dois navios tinham sido comprados recentemente pelo governo brasileiro e estavam entre os mais modernos do mundo. Seu desfile na Baía de Guanabara maravilhou a população da então capital federal.
As negociações para rendição dos marinheiros incluiu a concessão de anistia. Leal à pátria, João Cândido inclusive bombardeou o quartel dos fuzileiros navais que se rebelaram dias mais tarde. A rebelião da qual fez parte reivindicava a eliminação da punição com chibatadas a marinheiros indisciplinados, em geral negros, que ainda era prática na marinha brasileira 22 anos depois de abolida a escravidão. "Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira", dizia o manifesto da Revolta, que teve como estopim o castigo de 250 chibatadas aplicadas em um marinheiro do Minas Gerais no dia 21 de novembro.
Numa vingança dos oficiais contra os subalternos, na primeira oportunidade, os revoltosos foram traiçoeiramente presos e 18 deles jogados numa cela subterrânea lavada com água e cal, no presídio da Ilha das Cobras. Apesar dos protestos, gritos e pedidos de socorro, foram mantidos ali durante toda a noite de 24 para 25 de dezembro. Os carcereiros não tinham as chaves da cela, levadas pelo comandante do Batalhão Naval, um capitão-de-fragata, para sua festa de Natal. Quando ele voltou, às oito horas da manhã, 16 presos tinham morrido asfixiados, apenas João Cândido e o soldado naval João Avelino sobreviveram.
Não foi a primeira vez que as classes dominantes brasileiras trataram as classes subalternas insubordinadas com crueldade. Também não seria a última. A história brasileira está repleta de episódios assim. Cito apenas dois deles porque têm aspectos que lembram a Revolta da Chibata. Em 1823, durante as chamadas "guerras de independência", 252 brasileiros republicanos foram mortos asfixiados com cal no porão do navio Palhaço, no Pará, pelas tropas de D. Pedro I. Em 1844, no acordo de rendição da Guerra dos Farrapos, os revoltosos gaúchos desarmaram e entregaram ao exército imperial os escravos libertos do batalhão conhecido como Lanceiros Negros; foram massacrados.
O lema dos marinheiros dos encouraçados Minas Gerais e São Paulo era "Ordem e Liberdade". Faz mais sentido do que esse "Ordem e Progresso" que meia dúzia de militares positivistas gravou na nossa bandeira e que persiste até hoje, justificando a violência das elites. No lema dos positivistas, o progresso justifica a ordem; no lema dos marinheiros, a liberdade delimita a ordem. A violência no Brasil nunca vem do povo, é sempre contra o povo, um povo amoroso e ordeiro, como os companheiros de João Cândido, mas, historicamente, sem liberdade, sem direitos, sem cidadania. Dá certo conforto constatar que a história anda para a frente e faz justiça. Um século depois, João Cândido é lembrado em músicas, peças de teatro e museus, seu nome está incorporado à frota naval brasileira, da qual ele nunca quis sair. Dos nomes dos assassinos cruéis, quem se lembra?
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Encantamento. Eu?
Eu, por exemplo, repliquei no meu blog, pesquisei no youtube, vi e compartilhei novos vídeos, conheci e admirei a artista, li seu blog, mandei-lhe um e-mail, ela o respondeu. Tudo isso ontem. Voltei ao blog da poeta hoje, li novas postagens sobre repercussões do "incidente", conheci e admirei mais Porto Alegre, os gaúchos que elegeram Tarso Genro (não conseguimos eleger Patrus! Sequer conseguimos ter Patrus como candidato!), esse povo diferente, que fez a Revolução de 30 (com apoio mineiro, é claro!), que criou o Brasil moderno, de gerou Getúlio e Brizola, que fez a Revolução Farroupilha, o único levante popular brasileiro que não foi derrotado pelo poder central.
Porto Alegre tem uma esquina que se chama Esquina Democrática, nela os artistas e populares fazem manifestações e são presos. Mas fazem de novo. Uma vereadora do Psol protesta contra a repressão, apresenta moção de solidariedade à poeta e ao grupo teatral Levanta Favela. Tem um grupo que se chama Ditadores Inversos e organiza uma Marcha pela liberdade de expressão. Cidadania, arte, gente comum especial, a web, conhecimento, um círculo virtuoso. Me enriquecei, me encantei, me emocionei. Um eu profundo. Eu? Fosse capaz de compreender o eu, de ser eu, de ser, de fazer o que tenho de fazer. Talvez. Um certo incerto.
A rã no caldeirão. Sobrevivendo
O mundo precisa também ter desigualdade? Miséria? O trabalhador precisa ser explorado? O comum precisa ser oprimido, só porque não nasceu rico? Então o capitalista não precisa dos outros para fazer as riquezas do mundo? O capital multiplica sozinho? Só o que Deus pôs no mundo brota sozinho, o que é do homem precisa de esforço. Violência? Guerra? Se o povo decidisse ia querer se matar ou folgar? Ia querer armas ou escolas?
Não tenho nada contra o empreendedorismo, mas o dono precisa dividir a riqueza com aqueles que ajudaram a produzi-la. Tão somente isso. E a criança que nasce não deve ter seu destino traçado só porque seu pai é trabalhador, não é proprietário. Escola pública de qualidade para todos, isso é uma lei que a sociedade deve seguir: todas as crianças e jovens devem ter acesso à mesma educação, com a melhor ciência de ensino, os melhores educadores, os melhores equipamentos e instalações. Que as vantagens nos distingam, ao longo da vida, não as desvantagens. Que a igualdade nos diferencie, não a desigualdade. Conhecimento para todos. Sáude pública igual para todos, transporte coletivo de qualidade, espaços públicos, praças e parques, áreas de lazer e esporte acessíveis a todos. É preciso mais? Não muito, com isso a vida humana já seria bem melhor.
Direitos iguais e instituições que garantam direitos iguais. Democracia, participação de todos nas decisões. Precisamos de representantes? Às vezes sim, às vezes não. A democracia não pode ser o governo dos representantes, a democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo, já disse alguém, com sabedoria. O representante tem que ser um igual, não um privilegiado, não um que ganha mordomias, não um comprado pelo rico. O representante tem que ser um igual e continuar um igual. E para muita coisa não precisa de representante, o principal não pode ser decidido por representantes em conchavos.
Tão somente isso. É difícil? Pode até ser um pouco, no começo. Não é pela impossibilidade das alegrias que a maldade reina. É assim porque os ricos não deixam, porque os ricos são os poderosos, porque no capitalismo todo o poder emana do dinheiro, não do povo, porque o capital quer continuar determinando os rumos do mundo, com desigualdade, com miséria, com exploração, com opressão, com corrupção, com violência, com guerras, com mortes. É assim porque os poucos querem ficar com tudo que é bom. Todos sabemos disso, todos sabemos como deve ser, mas vamos levando a vida fingindo não saber, fingindo que não é com a gente, torcendo para que o bem prevaleça, rezando para que Deus nos ajude, fazendo a nossa parte, tirando pequenas vantagens, salvando a própria pele, sobrevivendo.
Palmeiras X Goiás, televisão e o poder no futebol
Clubes paulistas (e do Rio) contam com a simpatia da televisão e da imprensa, seus jogos são exibidos para o país inteiro, suas notícias são destaque. Eles movimentam muito dinheiro, contratam os jogadores e treinadores mais caros, têm torcedores famosos, são beneficiados pela arbitragem e pelas decisões dos mandões. A imprensa e a televisão brasileiras não são nacionais, são paulistas e cariocas, com alcance e domínio nacional.
Precisamos de comunicações efetivamente nacionais, em alcance, produção de conteúdos e decisões. Talvez não seja mais possível fazer isso com os meios impressos decadentes – o que as informações estão a exigir dos jornais e revistas é diversificação política e social. Quanto às televisões e rádios, porém, é óbvio que o Brasil precisa ampliar o alcance das suas televisões públicas.
Até recentemente, o exemplo era a TV Cultura de São Paulo. Agora, que o neoliberalismo tucano deteriorou a emissora, com cortes de despesas e ingerência política no conteúdo, e o governo Lula criou a TV Brasil, é esta a melhor referência do que pode ser uma televisão produzida com liberdade, criatividade, inteligência, equilibrio de conteúdos e regiões. Trata-se de um modelo que precisa ser expandido e diversificado, com emissoras estaduais e municipais, públicas e comunitárias.
Um campeonato de futebol transmitido pela televisão pública seria bem diferente do que é a transmissão feita por emissoras concentradas no Rio e em São Paulo. A TV Brasil transmitiu este ano o campeonato nacional da série C, se não me engano, mas não tive oportunidade de ver nenhum jogo. A iniciativa já indica a diferença, uma vez que se trata de um campeonato de clubes menores, pouco conhecidos no país, sem apelo comercial.
Mesmo sem ter simpatias especiais pelo Goiás (próximo adversário do Galo, tomara que escale o time reserva, ou que os titulares estejam com a cabeça na Sul-Americana; o Palmeiras foi nosso último adversário e fomos beneficiados pelos mesmos motivos), mesmo não tendo nada contra o Palmeiras (os adversários beneficiados em disputas contra o Atlético, nossos inimigos históricos, são Corinthians, Flamengo e São Paulo), é inevitável não sentir certo prazer em ver o poder paulista ser derrotado no seu próprio campo. Não pelo sofrimento da torcida palmeirense, que me pareceu cansada, derrotada. Nós, atleticanos, que passamos por aquela final entre Atlético e São Paulo, no Mineirão, em 1978, somos solidários aos torcedores que lotam o estádio para festejar e saem chorando.
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Exercício de conhecimento do eu
A vida humana é determinada por cinco variáveis (biológica, educação, idiossincrasias, acontecimentos e escolhas), que existem em três contextos (família, lugar e época).
A primeira variável é biológica: cada um de nós é sistema biológico particular, com determinadas características herdadas do pai e da mãe, desde a fecundação: o porte físico, as feições, o cabelo, a cor da pele, a cor dos olhos, os dentes, doenças e debilidades, forças.
A segunda variável é a educação que recebemos dos nossos pais: valores, medos, neuroses, visão de mundo, comportamentos. (A primeira e a segunda variáveis são devidas ao pai e à mãe, embora a educação não seja necessariamente feita por eles.) – No meu caso: a honestidade, a correção nas ações, a obediência à autoridade, a religião católica conservadora, a vida caseira, a forma de lidar com a asma.
A terceira variável são as características individuais, idiossincráticas: embora recebam a mesma carga genética e a mesma educação, dois irmãos não se formam iguais, pois têm características próprias. No meu caso, identifico a sensibilidade, a indignação com a injustiça, o dom de desenhar, a facilidade para escrever, a timidez, a paixão pelas meninas bonitas, a imaginação.
A quarta variável é o que acontece conosco, os acontecimentos determinantes. No meu caso: o primeiro amor, a carta e sua leitura por papai; a influência para ir para a escola técnica; a influência para entrar na militância; a pedrada no olho; ser reprovado no mestrado; a cooperativa; a oportunidade no JB; a demissão no JB; a demissão na Veja...
A quinta variável são as escolhas que fazemos. No meu caso: a ida para a escola técnica, a entrada na militância, a entrada no curso de jornalismo, a volta para Mafá, o casamento, a saída da prefeitura de Ibirité, a separação, abandonar o jornalismo; morar com Vanessa; largar a última remuneração fixa, vender carro etc., entregar a sala alugada...
Tudo isso acontece numa família (algum tipo de), numa classe social, num lugar (bairro, cidade, país) e numa época (décadas, época histórica, sistema).
Tudo isso torna cada existência única, ainda que muitas variáveis façam com que as pessoas se identifiquem e se agrupem. Se eu juntar tudo isso, monto o quebra-cabeça da minha vida, que eu preciso entender.
É um exercício interessante de conhecimento montar este quebra-cabeça na ordem inversa à que descrevi, começando pela época histórica.
1- Época
Minha vida acontece nos séculos XX e XXI da era cristã; época em que a economia capitalista se expandiu por todo o planeta, com convulsões sociais, guerras, revoluções, crescimento populacional, desigualdades, avanços tecnológicos e mudanças ambientais, aumentando exponencialmente as riquezas e as destruições.
Avanços tecnológicos: computador, avião, televisão, cinema, celular, internet, satélites, energia elétrica, energia nuclear, automóvel, combustíveis derivados do petróleo. O homem começou as viagens espaciais e chegou à Lua (em 1969), atualmente manda naves não tripuladas para investigar o espaço e enviar imagens e sinais para a Terra.
A população do planeta se multiplicou, ultrapassando 6 bilhões de seres humanos na primeira década do século XXI. A ação do homem está provocando mudanças climáticas no planeta, degelo dos polos, poluição de rios e mares, destruição das florestas, poluição do ar, contaminação da terra, extinção de espécies animais e vegetais.
O mundo está dividido em nações, muitas das quais se reconfiguram, limitações territoriais e organizações políticas que coexistem com uma economia globalizada, telecomunicações que unem e migrações intensas.
Nasci num período em que o mundo vivia a guerra fria, um confronto tenso mas sem guerras entre duas potências, Estados Unidos e União Soviética, que lideravam dois sistemas econômicos e dois blocos de países, capitalista e socialista, respectivamente, situação que mudou no final da década de 1980, portanto há 30 anos, com a queda dos regimes no bloco soviético e da economia socialista. Ao falar de socialismo é preciso esclarecer que se trata de uma corrente política, nascida com a Revolução Francesa, elaborada ao longo do século XIX e que pretendia substituir o sistema capitalista por um sistema superior, igualitário, mais evoluído, por meio da revolução operária; a revolução não se realizou nos países capitalistas mais avançados, realizou-se em dois países atrasados, agrícolas, mas em vez da sociedade mais evoluída o que se viu neles foram ditaduras e organizações sociais defeituosas; um desses regimes, o chinês, continua existindo, mas tornou-se um capitalismo com planejamento estatal e autoritarismo. À dissolução do bloco soviético sobreveio uma onda neoliberal, direitista, que acabou na crise atual, que mudou governos e iniciou uma nova onda intervencionista, mais à esquerda.
Minha visão do mundo contemporâneo é que o capitalismo é por natureza injusto, desigual, imediatista e destruidor; ele cria luxo e lixo. A continuidade do sistema, no grau de destruição que ele provoca, levará a humanidade a catástrofes, que aliás já estão acontecendo. O capitalismo vem sobrevivendo por incapacidade demonstrada pelos trabalhadores no século XX de fazerem a revolução socialista e pelo uso de regimes políticos nazi-fascistas, ditaduras e guerras. Grande parte dos socialistas e dos trabalhadores, especialmente nos países capitalistas mais desenvolvidos, se acomodou com reformas sociais e políticas no capitalismo, abdicando de tomar o poder e de fazer a revolução. Os capitalistas fizeram concessões, de forma que o Estado atual, de forma geral, é um Estado que contempla interesses de outras classes, além da classe capitalista. Ao mesmo tempo, as sociedades vem fazendo no capitalismo mudanças que fariam parte do socialismo, seja na forma de políticas sociais e ambientais, seja em iniciativas particulares e de grupos, que criam novas instituições, novos comportamentos, novas relações. É como se a evolução da humanidade não pudesse esperar, e não existindo ainda o sistema socialista, ela cria formas socialistas dentro do capitalismo. O que significa que a revolução operário, quando vier, se vier, não será mais aquela revolução prevista por Marx e Engels, feita por Lenin e Trotski; ela encontrará formas socialistas já em andamento e conviverá com elas.
2- Lugar (bairro, classe social, cidade, país)
Nasci e sempre vivi no Brasil, numa região chamada Minas Gerais, na sua capital, chamada Belo Horizonte.
O que sei sobre o Brasil.
Nasci, cresci e vivi no bairro da Lagoinha até os 31 anos. Depois morei em outros bairros: São Lucas, Barroca, Santo Antônio e, atualmente, Carmo. Vi a cidade crescer e mudar: na infância, morei em casa com terreiro, brincava na rua e nas casas dos outros, em lotes vagos, no campo de futebol perto de casa, as famílias eram numerosas, se conheciam e conviviam; hoje vivemos em apartamentos, a rua é dos carros e dos bandidos, mal conhecemos os vizinhos e não convivemos com eles, as crianças brincam dentro de casa, com jogos eletrônicos e veem tv, têm poucos irmãos ou nenhum.
Pertenço a uma classe ampla, que é a classe média, mas experimentei variações nela: o bairro onde nasci e cresci é um bairro mais pobre, poucos dos meus colegas fizeram universidade e raríssimos cursaram profissões nobres – eu e meus irmãos inclusive fizemos cursos despretensiosos, da área de ciências humanas. Frequentar a universidade, porém, foi uma mudança de ares, um período em que os limites da classe se desfaziam, especialmente na Fafich e nos anos de luta contra a ditadura militar. Tornando-me jornalista, frequentei o sindicato (criação da cooperativa) e cheguei à redação do principal jornal do país e fui chefe da sucursal da principal revista. Com isso, circulei por todos os ambientes da sociedade, viajei pelo estado e a outras capitais, e conheci pessoas de outras classes sociais, inclusive ricos e poderosos. Continuei pobre, sem casa, carro velho, mas com trânsito em novos ambientes e alguma ascensão econômica.
Projetos radiodocumentários
Milton Nascimento / Lô Borges - Clube da Esquina
Justificativa
Alguns artistas têm um grande disco, um momento na carreira em que se mostram gênios. É quase como se não devessem ter feito outra coisa, para que nos lembrássemos deles apenas em seus momentos mágicos. Como Caymmi, que levava nove anos para terminar uma canção e a finalização podia ser apenas uma frase. Um desses discos geniais, que fazem parte da história da Música Popular Brasileira, é Clube da Esquina.
Embora traga os nomes de Milton Nascimento (em primeiro plano), e Lô Borges na capa, o disco – na verdade dois, porque é um álbum duplo – é o produto coletivo de um grupo de jovens músicos mineiros, que se encontraram para compor, tocar, cantar e gravar num momento de grande criatividade. O resultado foi um álbum que, quarenta anos depois, continua influenciando músicos em todas as partes do mundo graças à qualidade duradoura do seu som. Nada mais mineiro, no entanto, do que a música universal do Clube da Esquina.
Ouvir este grande disco com ouvidos atentos e conhecer um pouco dos bastidores da sua criação são os objetivos deste programa.
Sinopse
Clube da Esquina flui do começo ao fim do programa despertando os prazeres dos grandes discos. Com base em entrevistas com os artistas participantes, o documentário revela as condições de realização e chama atenção para os detalhes das melodias, letras, vozes e instrumentos do álbum, como o maravilhoso o arranjo em Clube da esquina n° 2, assinado por Eumir Deodato.
Quem, no Brasil, conhece Deodato? Os americanos e europeus o conhecem bem. Basta citar que é seu o arranjo do grande sucesso Killing me softly, da cantora americana Roberta Flack. Aquela versão popular do erudito Assim falava Zarastustra, de Richard Strauss, que ficou famosa, também é dele. Quem se der ao trabalho de conferir os créditos de discos da cantora Björk vai encontrar o nome do arranjador brasileiro. Isto para ficar em apenas três exemplos do sucesso desse colecionador de discos de platina que trabalhou com as maiores estrelas internacionais e fez as trilhas de alguns dos maiores sucessos de Hollywood. Tudo isso depois de elaborar os arranjos de Clube da Esquina.
Assim como Deodato, o álbum tem um numeroso time de artistas hoje reconhecidos mundialmente: Tavito, Wagner Tiso, Beto Guedes, Toninho Horta, Robertinho Silva, Luiz Alves, Rubinho, Nelson Ângelo, Paulo Moura, Paulinho Braga, Luiz Gonzaga Jr., Alaíde Costa, além dos letristas Márcio Borges, Ronaldo Bastos, Fernando Brant e Murilo Antunes. Embora não fossem anônimos em 1972, foi o álbum Clube da Esquina que impulsionou suas carreiras. Toninho Horta tornou-se um importante músico de jazz, com sucesso no Japão e nos EUA.
Milton é um caso à parte, fez carreira internacional, cantando e tocando com os maiores nomes da música popular. Em Clube da Esquina, sua voz é o ponto mais alto entre cumes musicais. Sobre ela nada que se diga é bastante, é sublime como devem ser as vozes dos deuses. E em todas as canções unem-se os talentos virtuosos de músicos e cantores compondo um conjunto harmonioso.
Na faixa Trem de doido, a guitarra de Beto Guedes se equipara à de Eric Clapton, então chamado de deus, por seus fãs. A bateria de Rubinho tem rara suavidade em San Vicente, assim como a bateria de Robertinho Silva em O trem azul bate no coração, tanto quanto batia a de Ringo Starr. É inesquecível o violão de Lô Borges em Tudo que você podia ser, assim como o órgão de Wagner Tiso em Um girassol da cor do seu cabelo. Os coros são deliciosos e até mesmo a voz limitada de Lô é gigantescamente agradável. Que beleza o solo de Alaíde Costa em Me deixa em paz! (que tem ainda o baixo de Luiz Alves).
2- Quando penso em você, fecho os olhos de saudade
Justificativa
No começo dos anos 70 a maioria da população das cidades brasileiras ainda morava em casas. A ditadura militar, então no auge, mantinha sob censura prévia a imprensa e televisão. A atmosfera na sociedade e nas escolas era de repressão e autoritarismo, e a juventude encontrava na música a sua válvula de escape. Era comum turmas de jovens cabeludos, trajando roupas coloridas, se reunirem em terreiros, varandas, terraços e esquinas para conversar, namorar e cantar. Eram vizinhos, colegas de escola, amigos; muitos tocavam violão, alguns se exercitavam em outros instrumentos, todos cantavam. Dessa forma, nasceram alguns grupos de vida curta e começaram carreira cantores, instrumentistas e compositores que conheceram sucesso local. É este o caso do Ingazeira, um conjunto de música popular que atuou em Belo Horizonte, cuja trajetoria – breve mas importante trajetória para os jovens daquela época – este programa pretende mostrar, rememorando um período da história recente do Brasil.
Sinopse
Quando penso em você... traz no nome uma referência à canção Canteiros, um dos primeiros sucessos do cantor e compositor Fagner, com melodia composta sobre poesia de Cecília Meireles. Ela era também uma das preferidas do grupo Ingazeira, quando se reunia para cantar em companhia de amigos do Bairro Lagoinha, em Belo Horizonte, no começo dos anos 70. O programa reproduz um encontro típico de jovens daquela época, reunindo novamente a turma de amigos. Entre canções que foram sucesso na época, na interpretação do Ingazeira ou de outros artistas, os amigos recordam o ambiente daqueles anos de ditadura militar e histórias da turma, e fazem o balanço dos sonhos que ficaram pelo caminho, nessas mais de três décadas.
Tudo sobre Belo Monte
Quais as características do projeto de Belo Monte?
A Usina Hidrelétrica de (UHE) Belo Monte será a terceira maior do mundo, atrás da chinesa Três Gargantas, com 22,5 mil MW, e da binacional Itaipu (14 mil MW), de propriedade brasileira e paraguaia, e a segunda maior do país. A UHE envolve obras em três sítios distintos (Belo Monte, Bela Vista e Pimental). Essa característica faz com que o projeto seja original, uma vez que as grandes hidrelétricas geralmente associam, lado a lado, a casa de força e o vertedouro, no mesmo local de barramento do rio. Os arranjos que envolvem canais de derivação são mais comuns em pequenas centrais hidrelétricas. Em Belo Monte, o barramento e o vertedouro principal ficarão no Sítio Pimental, onde será instalada também a Casa de Força Complementar, no leito do Rio Xingu, a cerca de 40 quilômetros da cidade de Altamira (PA). Desse ponto, por meio de canais de derivação, parte da água do rio será desviada para a Casa de Força Principal, no sítio Belo Monte, para formar o chamado "reservatório dos canais". Para garantir as condições de segurança na operação da Usina, será construído, no sítio Bela Vista, um vertedouro complementar. Complementam o arranjo um conjunto de diques para fechamento lateral de pontos baixos no reservatório dos canais. Outra importante característica do projeto está no fato de que a quase totalidade das obras poderá ser realizada a seco, uma vez que os sítios Belo Monte e Bela Vista e a região dos diques laterais, dos canais de derivação e do correspondente só serão alagados quando ocorrer o fechamento da barragem principal, no sítio Pimental. Isso acontecerá depois de concluídas todas essas obras, para dar início à geração na Casa de Força Principal.
Quanta energia a UHE vai gerar?
A capacidade total instalada da usina será de 11.233,1 Megawatts (MW), com garantia assegurada de 4,571 mil MW médios (MWmed). A usina vai operar a fio d'água. Isso significa que a geração vai variar de acordo com a quantidade de água do Rio Xingu a cada período do ano. Ou seja, a usina vai gerar mais energia nas épocas de cheia e menos nos momentos de seca. Assim, a garantia física do empreendimento será definida pela EPE. A Casa de Força Principal, que ficará no Sítio Belo Monte, com capacidade mínima instalada de 11 mil MW e garantia assegurada de 4,418 mil MWmed. A casa de força complementar, no Sítio Pimental, terá capacidade de 233,1 MW e garantia assegurada de 151,1 MWmed. Do ponto de vista da relação entre capacidade instalada e área alagada (MW/km2), a UHE de Belo Monte será a terceiro do país, atrás apenas de Xingó e Paulo Afonso IV.
Qual a importância do empreendimento?
A UHE Belo Monte vai integrar o Sistema Interligado Nacional (SIN) e, com isso, sua energia vai contribuir para expansão da oferta em todo o País. Assim, na cheia do Rio Xingu, será possível gerar muita energia, promovendo a acumulação de água nos reservatórios das usinas de outras regiões, tirando proveito da sazonalidade hidrológica decorrente das dimensões continentais do País. Complementarmente, nos períodos de seca do rio Xingu, essas usinas com água armazenada suprirão a diferença da menor geração em Belo Monte. As obras deverão gerar 18 mil empregos diretos e 23 mil postos indiretos, de acordo com o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). O estado do Pará e os municípios diretamente afetados pelo reservatório receberão a Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos para Fins de Geração de Energia Elétrica (CFURH). Pelas estimativas preliminares, deverão ser gerados R$ 174,8 milhões por ano, a serem distribuídos ao estado do Pará e aos municípios afetados, além dos ministérios de Meio Ambiente e Minas e Energia, e Fundo Nacional de Desenvolvimento de Científico e Tecnológico (FNDCT). Além disso, o município de Vitória do Xingu, onde estarão instaladas as Casas de Força Principal e Complementar, também será beneficiado pelo recolhimento do ICMS incidente sobre a geração de energia.
Quem realizou os estudos da Usina?
Os estudos sobre o aproveitamento hidrelétrico da Bacia do Rio Xingu foram iniciados ainda na década de 70, pela Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte). Em 1980 foram concluídos os estudos de inventário e, ao longo de toda a década, foram desenvolvidos os estudos de viabilidade do que era chamado Complexo Altamira. Em março de 1988, foi aprovado pelo então Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) o Relatório Final dos Estudos de Inventário. Em 1999, a Centrais Elétricas Brasileiras S/A (Eletrobrás), holding estatal do setor no país, solicitou à Aneel autorização para realizar, em parceria com a Eletronorte, sua subsidiária, novos estudos de viabilidade da UHE Belo Monte, entregues parcialmente em 2002, em vista de embargos judiciais que determinaram a interrupção dos estudos ambientais. Em julho de 2005, o Congresso Nacional publicou o Decreto Legislativo nº. 788/2005 pelo qual autorizou a Eletrobrás a concluir os estudos. Em agosto de 2005, a estatal e as construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Norberto Odebrecht assinaram Acordo de Cooperação Técnica para a conclusão dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Socioambiental da UHE Belo Monte. Os estudos foram entregues à Aneel em março de 2009, com a incorporação de resultados dos estudos ambientais EIA/Rima, concluídos no período e entregues paralelamente à análise do Ibama.
Qual o papel do Ministério de Minas e Energia no desenvolvimento do projeto?
O Ministério de Minas e Energia (MME) é responsável pelo planejamento setorial, concessão de outorga para exploração de usinas hidrelétricas e pela definição das diretrizes dos leilões de energia. Também cabe ao MME indicar os aproveitamentos hidrelétricos a serem licitados e, por meio da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), promover a "habilitação técnica" dessas usinas, desenvolvendo estudos para cálculo da garantia física, definição do ponto de conexão ao Sistema Interligado Nacional (SIN) e estabelecimento da tarifa-teto a ser considerada no Leilão.
Quais são as atribuições da Aneel nesse processo?
A Aneel é responsável por registrar, analisar e aprovar os estudos de inventário, viabilidade e projetos básicos dos aproveitamentos hidrelétricos do País. Essas atividades estão fundamentadas no Decreto nº. 4.970/2004, no Decreto nº. 4.932/2003 e na Resolução Normativa Aneel nº. 116/2004. É a Superintendência de Gestão e Estudos Hidroenergéticos (SGH) que exerce essas atribuições, de acordo com o Regimento Interno da Aneel.
Depois de concluídos os estudos de inventário, a Aneel concede registro aos interessados para autorizar o desenvolvimento de estudos de viabilidade técnica e econômica. Paralelamente, são realizados também os estudos socioambientais, que fazem parte do processo de licenciamento junto ao órgão competente (Ibama ou Secretarias Estaduais de Meio Ambiente), que varia com a posse do rio (federal ou estadual), a abrangência dos impactos e eventuais interferências sobre áreas e comunidades sob jurisdição da União. Cabe ao empreendedor obter a Licença Prévia (LP) junto a esses órgãos ambientais. Também é necessária a Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH), obtida junto aos órgãos gestores de recursos hídricos (ANA ou instituições estaduais). É do Ministério de Minas e Energia (MME) a competência para considerar o empreendimento apto a ser licitado e definir o tipo de leilão pelo qual será negociada a concessão e também vendida a energia. Essas diretrizes constam de portaria ministerial.
A partir daí, cabe à Aneel propor a minuta de edital de licitação, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo MME, como a definição do dia do leilão, as formas de contratação da energia a ser ofertada e a data de entrada em operação da usina. Toda essa fase é de competência da Superintendência de Concessões e Autorizações de Geração (SGC) e da Comissão Especial de Licitação (CEL), criada para acompanhar todos os processos licitatórios nas áreas de geração e transmissão.
O processo de divulgação do edital se dá com a aprovação da minuta pela diretoria colegiada e inclusão da proposta em processo de Audiência Pública, para proporcionar ampla divulgação e coletar contribuições de agentes do setor elétrico e da sociedade. Encerrada essa etapa, a área técnica analisa todas as contribuições e prepara a versão final do edital, que será submetido à aprovação da diretoria da Aneel, juntamente com o cronograma do processo. Constará do edital o valor a ser ressarcido pelo futuro concessionário aos responsáveis pelos estudos de inventário e de viabilidade, que incluem também os gastos com os trabalhos socioambientais e com o processo de licenciamento da usina. Este valor é objeto de auditagem pela Aneel. Os documentos finais são disponibilizados na página eletrônica da agência (www.aneel.gov.br) e publicados no Diário Oficial da União. A diretoria tem a prerrogativa de colocar a minuta em Consulta Pública, antes da Audiência. Nesse caso, a proposta da minuta do edital se torna pública antes da aprovação em reunião de diretoria.
Os passos seguintes para o leilão são definidos em cronograma publicado juntamente com o edital, com as datas de divulgação do manual de instruções, da reunião de esclarecimentos técnicos e de treinamento da sistemática do leilão, além do local e do dia do depósito de garantias financeiras. O cronograma traz também os passos posteriores à realização do leilão, como a data de assinatura dos Contratos de Compra de Energia no Ambiente Regulado (Ccear) dos empreendimentos que detêm a outorga de concessão. A Superintendência de Estudos de Mercado (SEM) é a responsável pelo cumprimento dos contratos de energia.
O vencedor do processo licitatório deve apresentar o projeto básico para aprovação da Aneel, em conformidade com as características definidas no contrato de concessão e no edital de licitação, respeitando as condicionantes estabelecidas no processo de licenciamento ambiental e na Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica. A aprovação do projeto básico também é feita pela SGH, tendo como pré-condições a obtenção da Licença Ambiental de Instalação (LI) e da Outorga de Uso da Água, que dá sequência à DRDH obtida na etapa anterior.
A partir do início da construção da usina, a Aneel passa a acompanhar o cronograma de entrega das obras. A fiscalização é feita in loco. São divulgadas informações referentes ao cumprimento ou não dos prazos previstos, com os motivos do atraso, quando for o caso, além da existência de impedimento judicial e/ou ambiental e a expectativa de entrada em operação. Essa atividade é realizada pela Superintendência de Fiscalização da Geração (SFG) e os dados são públicos, disponíveis na página eletrônica da Aneel. Eventuais mudanças relevantes em relação ao projeto básico aprovado têm de ser novamente submetidas à SGH, na versão de um projeto básico consolidado.
Quais as licenças ambientais necessárias para o início das obras?
Durante todo o processo de viabilização de uma usina hidrelétrica são necessários três tipos de licenciamento ambiental: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI), e Licença de Operação (LO). De acordo com a legislação vigente, a LP deve ser solicitada na fase de planejamento da implantação, alteração ou ampliação do empreendimento. Essa licença não autoriza a instalação do projeto, apenas aprova sua viabilidade ambiental e autoriza sua localização e concepção tecnológica. Além disso, estabelece as condições a serem consideradas nas fases subseqüentes do projeto. A LI autoriza o início da obra ou instalação do empreendimento, enquanto a LO deve ser solicitada antes de sua entrada em operação, pois é essa licença que autoriza o início de seu funcionamento comercial.
Qual a área alagada para implantação da usina?
A área total de inundação da UHE Belo Monte será de 516km², dos quais 134km² estarão no Reservatório dos Canais e 382 km², no Reservatório do Rio Xingu.
Quanto deve ser investido na construção da UHE?
Os estudos de viabilidade técnica e econômica informam um investimento global, nos termos do Orçamento Padrão Eletrobrás (OPE), de R$ 17, 3 bilhões. Esse valor estava cotado a preços de dezembro de 2008, sem juros durante a construção e sem incluir custos do sistema de transmissão. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) definiu, em março de 2010, o custo das obras em R$ 19 bilhões, valor ratificado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Qual será a tecnologia utilizada na construção da usina?
A UHE Belo Monte operará a "fio d'água", ou seja, sem reservatório de acumulação. Serão utilizados dois tipos de turbinas: Francis e Bulbo. Na Casa de Força Principal, no Sítio Belo Monte, será utilizada a turbina Francis, própria para desníveis entre 40 e 400 metros. A queda observada no local será de 90 metros. A unidade geradora a ser usada na Casa de Força Complementar, no Sítio Pimental, utiliza turbinas hidráulicas tipo Bulbo de eixo horizontal, acoplada a um gerador, também horizontal, que se encontra dentro de uma cápsula metálica estanque, totalmente imersa no fluxo hidráulico. Como esse fluxo é axial, ou seja, paralelo ao eixo da unidade, as passagens hidráulicas das turbinas Bulbo envolvem menores perdas. A queda na casa de força complementar será de 11,5 metros.
Quanto vai custar a energia gerada em Belo Monte?
O preço do MWh a ser gerado em Belo está associado, basicamente, ao custo da usina e do correspondente sistema de transmissão de uso exclusivo. Naturalmente, o preço final da energia, nos centros de consumo, envolve também as tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição (TUST e TUSD). Quanto mais distante estiver o aproveitamento hidrelétrico dos centros de consumo, maior será o custo do sistema de transmissão. O Brasil já utilizou os principais aproveitamentos hidrelétricos mais próximos aos centros de consumo. Com isso, a tendência é que haja um aumento progressivo no valor devido ao aproveitamento de rios mais distantes. No caso da UHE de Belo Monte, o Ministério de Minas e Energia (MME) definiu o preço mínimo em R$ 83 por MWh.
Qual a sistemática do leilão?
Trata-se de um leilão descendente, onde ganha a concessão quem oferecer a menor tarifa de energia, cujo preço-teto é definido pelo MME. Esse modelo é o mesmo adotado para os outros leilões de energia nova.
A energia gerada fará parte do Sistema Interligado Nacional (SIN)? Que obras serão necessárias para isso?
Sim. O SIN permite o intercâmbio de energia produzida por todas as usinas que compõem o sistema. No caso da UHE Belo Monte, a interligação ao SIN deverá ser feita por cinco linhas de transmissão em 500kv, com extensão de aproximadamente 17 km, operando em corrente alternada. O ponto de interligação com a Rede Básica será a subestação secionadora Xingu, que faz parte da interligação Tucuruí-Macapá-Manaus. A partir desta subestação partirão as interligações previstas com as regiões Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste.
Haverá benefícios financeiros para o estado e os municípios diretamente afetados pela usina?
A estimativa de Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH) a ser gerada pelo empreendimento é da ordem de R$ 174,8 milhões. O valor será rateado em proporções legalmente instituídas entre a União, o estado do Pará e os municípios afetados.
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Por um novo brasileirão
O Fluminense retomou a vantagem, vencendo o São Paulo, beneficiado pelo tropeço do Corinthians (empatar com o Vitória, que jogava em casa e precisava vencer, para escapar do rebaixamento, não é nenhuma zebra), enquanto o Cruzeiro fez sua parte e venceu o Vasco (o desespero do clube de azul na semana passada não se justificou).
Para não vencer, o clube paulistano contou com um pênalti também polêmico (eu acho que foi, acho que o árbitro deve sempre beneficiar o ataque, em vez de deixar passar botinadas e bolas na mão; nas peladas a gente decide as dúvidas de forma muito mais justa). Mais grave, porém, foi perder Ronaldo. Sem o gordo fenomenal, o Corinthians voltou a ser um time comum. Como não deve jogar nas duas últimas partidas, o timão pode tropeçar até diante do Vasco e do Goiás.
De qualquer forma, o tricolor carioca só depende dele para ser campeão: vencer o Palmeiras "de olho na Sul-Americana" e o Guarani "rebaixado ou virtualmente rebaixado" não deve ser mais difícil do que golear o São Paulo "entrega!". Mais difícil é a tarefa do clube mineiro, que precisa derrotar o Flamengo, no Rio, antes de pegar os reservas do Palmeiras na última rodada.
A rodada de ontem, muito mais do que a anterior, que, no entanto, provocou celeuma, ao que tudo indica, foi a decisiva para o campeonato. Mostrou que o clube preferido peo senador eleotp Aécio Neves jogou a toalha antes da hora. Se havia esquema armado, ele não beneficiou o clube pelo qual torce o presidente Lula, mas o clube do coração de Chico Buarque. Ou será que, ao botar a boca no trombone, Cuca, seus comandados e superiores conseguiram reverter a armação, levando o tricolor paulista a entregar e o árbitro gaúcho compensar o resultado daquele Corinthians 1 X 0 Cruzeiro com outro pênalti duvidoso?
O fato é que na penúltima rodada, Cruzeiro e Corinthians precisarão derrotar times que também precisam vencer: o novo clube do treinador Luxemburgo "de triste memória" luta contra o rebaixamento, enquanto o Vasco, embora estaja em situação melhor, não está livre da degola e precisa vencer também para garantir uma vaga na Copa Sul-Americana.
Vencendo os reservas do Palmeiras, o Flu porá uma mão na taça – quem sabe com as duas. Conquistará um título que era fácil e parecia certo, mas quase deixou escapar. Na verdade, o pior cenário naquele confronto entre paulistanos e belo-horizontinos, na 35ª rodada, seria vitória dos visitantes. Mas, convenhamos, o Cruzeiro reclamou da derrota, não do empate, com o qual estava bem conformado.
Digamos que o clube paulista e o time mineiro empatem no próximo domingo e o carioca vença: seria preciso que o Guarani realizasse a proeza de vencer o time treinado pelo tricampeão Muricy para que este não se torne campeão. Futebol é imprevisível e tanto é possível que o Fluminense perca para o Palmeiras quanto Corinthians e Cruzeiro podem vencer Vasco e Flamengo.
Na parte inferior da classificação, Grêmio e Goiás já foram degolados; Guarani (37 pontos), Vitória, Avaí, Atlético Goianiense (40), Atlético Mineiro (42), Flamengo (43), Ceará e Vasco (46) continuam lutando para não cair. Exceto o time de Campinas, todos ainda podem conquistar as duas vagas em aberto na Copa Sul-Americana. Como Vasco e Ceará se enfrentam na última rodada, no Rio, é praticamente certo que um dos dois ficará com uma vaga e apenas a outra restará para os demais.
A luta contra a degola é menos equilibrada: Flamengo enfrenta, em casa, o Cruzeiro "ainda com esperança de ser campeão", em casa, e o Santos "de férias", fora. O Galo enfrenta o Goiás "rebaixado", em casa, e o São Paulo "de férias", fora. O Atlético GO enfrenta o São Paulo "de férias", em casa, e o rival Vitória, fora. O Avaí joga contra o Santos "de férias", em casa, e o Atlético PR "de férias", fora. O Vitória, antes do confronto decisivo com o Atlético GO, enfrenta antes o Internacional "de olho no título mundial" (mas que ganhou do Botafogo ontem), fora. O Guarani enfrenta o Grêmio "de férias", em casa, e o Flu "defendendo o título", fora.
O que chama atenção é como, nesta reta final, a classificação está sendo decidida por clubes que nada mais têm a ganhar ou perder (além de árbitros que usam critérios diferentes em lances semelhantes). Palmeiras, São Paulo, Grêmio, Botafogo, Atlético PR, Santos e Internacional são clubes que entram em igualdade de condições em qualquer confronto, seu desempenho pode definir quem será campeão e quem cairá, no entanto, não têm nenhuma motivação para vencer. Alguém supõe que o São Paulo seria goleado como foi ontem se precisasse vencer para ser campeão? Ou que o Palmeiras ficasse tão conformado com a derrota como esteve ontem. Lembremos que ambos jogavam como mandantes.
Se o campeonato termina com as emoções da indefinição do título e dos rebaixados até a penúltima rodada, é certo também que para grande parte dos torcedores ele não tem motivação nenhuma. Sempre defendi a fórmula dos pontos corridos, inegavelmente mais justa – por ela, o Galo, um dos clubes mais regulares até o começo dos aos 2000, teria conquistado o bicampeonato em 1977 e provavelmente outros títulos mais. É preciso reconhecer, porém, que a emoção foi varrida pela justiça.
Justiça parcial, aliás. Mais grave do que a perda de emoção é que este campeonato está longe de ser um "brasileirão", está muito mais para um brasileirinho. Como chamar de nacional uma competição com 20 clubes num país que tem 26 estados e um Distrito Federal? Nem que fosse um clube de cada unidade da Federação, estaria esta representada. Nós, do Sul Maravilha, ignoramos o que acontece no Nordeste, no Norte e no interior do país, mas nesses lugares também se joga futebol. Com muito mais emoção e mais torcedores nos estádios do que aque entre nós. Se os clubes dessas regiões não têm projeção nacional é porque estão fora das tevês – também concentradas aqui, e mais precisamente em São Paulo e Rio – e não têm grandes patrocionadores. Tal situação só mudará quando eles fizerem parte do campeonato nacional, o que jamais acontecerá numa competição restrita a 20 agremiações.
A experiência nos ensina e eu defendo que já está na hora de o futebol brasileiro criar uma nova fórmula de campeonato nacional. Uma mistura de Copa do Brasil com Brasileirão, com duas fases distintas. Um campeonato com clubes de todos os estados – digamos, 40, ou um pouco mais (número ímpar para que todos fizessem o mesmo número de partidas em casa e fora). Na primeira fase, todos se enfrentariam, em turno único: o primeiro colocado seria o campeão brasileiro. Na segunda, disputariam os 16 melhores, na fórmula de copa: o campeão seria o campeão da Copa do Brasil.
Teríamos assim a mistura da justiça com a emoção, e poderíamos chamar a competição realmente de Campeonato Brasileiro.
Num campeonato com 41 clubes, a queda de quatro para a segunda divisão é razoável, num campeonato de 20, não. A série B não qualifica um time para sobir para a série A, ela funciona muito mais como punição. Ao mesmo tempo, ainda que não exista grande diferença entre os quatro últimos e outros times da série A, quatro estão condenados a cair. O Brasil tem alguns clubes que estão à frente dos outros (e mesmo estes costumam tropeçar), mas a imensa maioria parte se compara. Não é justo que um caia e outro não. Menos justo ainda é que seu lugar seja ocupado por um time pior. Tudo isso se pôde ver este ano.
Num campeonato verdadeiramente nacional, com 40 clubes (ou um pouco mais), a queda contemplaria os piores e subir seria um prêmio cobiçado por aqueles que tenham caído no ano anterior. Ainda que caíam quatro clubes da regiões esquecidas do país, a maioria dos estados continuaria representada. Para que esta situação fosse revertida, seria preciso um longo período e que o futebol destes estados comprovasse sua inferioridade. Ainda assim, haveria chance de que, com o tempo, o quadro mudasse. Enquanto isso, os brasileiros teriam a recompensa de conhecer mais sobre todo o país, que muitos consideram se limitar ao eixo Rio-SP.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Passeio no Rio
A velhice do mundo eternamente jovem
Quando eu era jovem, me incomodava com o discurso dos velhos: "no meu tempo..." Saudosismo. Os velhos da época, talvez mais jovens do que sou hoje, viam seu mundo desmanchar. E não era apenas porque a juventude tinha ficado para trás, é porque o mundo mudava rapidamente. Minha geração, jovem e ligada no novo, considerava aquilo saudosismo, coisa de velho. O que era velho estava ultrapassado. O novo é melhor. Minha geração elegeu a juventude como o valor mais importante. Minha geração não envelheceu. Era o começo do mundo contemporâneo, da etera juventude.
Envelhecer era um ritual: passar de uma idade a outra. Fases bem nítidas da vida: a infância (brincar), a adolescência (o começo das responsabilidades), a juventude (o começo da vida adulta), a maturidade (a plenitude), a velhice (a autoridade, o respeito). Minha geração parou na juventude. "Jovem para sempre!" foi o lema de quem se tornou adolescente depois da Segunda Guerra Mundial.
A primeira geração é aquela da qual fazem parte os Beatles; no Brasil, Chico Buarque, Gilberto Gil, gente que nos anos 60 entrou na casa dos vinte anos. Essa geração, cujo marco foi o ano de 68, em muitas partes do mundo, com suas manifestações, lemas e ícones, foi uma geração que decidiu ficar jovem para sempre. Em 1976, Gilberto Gil foi preso por uso de maconha, aos 34 anos; em 2010, os Rolling Stones continuam excursionando como uma banda de adolescentes, aos 70 anos. A minha geração veio em seguida e já considerava a juventude um valor permanente.
O uso eterno do jeans – uma roupa de vaqueiros americanos, que virou moda jovem – e dos cabelos grandes para rapazes (mesmo brancos, mesmo ralos), a adoção do tênis como calçado universal, o rock como música permanente, mesmo virando pop, mesmo perdendo qualquer caráter de contestação. A juventude eterna virou um produto de consumo, um valor universal. Jovens de setenta anos, é o que temos hoje.
Transformada em valor eterno e em consumidora, a juventude eliminou as demais idades: a velhice, com sua autoridade e sabedoria, foi destronada; a infância foi eliminada, para que as crianças se transformassem rapidamente em jovens e integrassem o mercado de consumo, pois produtos para crianças propriamente ditas são poucos, crianças inventam brincadeiras com imaginação. Antecipar e prolongar a juventude. Indústrias e mais indústrias da juventude eterna: cirurgias plásticas, academias de ginástica, cosméticos, medicamentos... As crianças são evitadas, os velhinhos são descartados: quem não for consumidor, quem não for jovem, não serve.
Mas a vida é feita de contradições: o melhor da vida é a juventude e a juventude do mundo ficou para trás. Este mundo da juventude eterna é um mundo velho.
O futebol, por exemplo. Jamais teremos outro Pelé, jamais teremos outro Garrincha, jamais teremos copas do mundo como as de 58 e 62,times como o Santos. O melhor futebol ficou para trás. Temos hoje o vício de consumir futebol, e é só. Futebol, hoje, é parte do mundo de consumo, onde tudo é preparado para vender. Consumimos futebol porque somos viciados nele, mas os bons tempos ficaram para trás.
Meu pai viu o futebol envelhecer. O futebol era jogado por muitos e presenciado no campo por alguns milhares, era uma emoção que fazia parte da sociedade, um acontecimento social vivido por pessoas que se conheciam. Era preciso ir ao compo para ver os craques, os times, os grandes jogos. Os craques de então eram jovens comuns, talentosos e atletas por natureza – nem sempre o talento e o vigor físico conviviam no mesmo jogador. O público que ia ver os jogos nos domingos à tarde, eram vizinhos, conhecidos, pessoas que se encontravam ao longo da semana. Os feitos ficavam na memória de cada um, sem replei, sem videoteipe.
Somos formados na ideia de que o novo é melhor, de que o novo produto e a nova tecnologia são mais avançadas. Essa ideia faz parte do valor da eterna juventude. No nosso mundo não há lugar também para objetos velhos. Velho é pior, velho é superado. Se em parte isso é verdade, pelo avanço da tecnologia, em outra parte é a ideologia do sistema, que exige o descarte do velho, para que compremos o novo. Uma parte é avanço tecnológico, outra parte é consumismo. Mesmo que a tecnologia não avance, o produto muda, para parecer melhor, novo, mais jovem. A juventude é o apelo para o consumo. O produto não é feito para durar. Pra quê? Daqui a um ano haverá um novo modelo e o atual estará obsoleto.
Esse mundo de eterna juventude e de consumo do novo, inverteu as posições. Nas gerações anteriores, velhice era sinal de sabedoria, de experiência, de conhecimento. É compreensível: quem viveu mais conhece mais. No mundo contemporâneo, velhice é sinal de obsolescência, porque o conhecimento vem da tecnologia, não da experiência. Num mundo que se renova continuamente, para que serve a experiência? É preciso conhecer o novo, a nova tecnologia.
O jovem leva vantagem sobre o velho, porque é mais fácil aprender na juventude e porque ele não tem de desaprender a tecnologia antiga. O conhecimento das pessoas mais velhas torna-se inútil, está superado. Desperta aquele sentimento que eu tinha quando ouvia meu pai falar que o antigo era melhor: saudosismo. O velho precisa ser "eternamente jovem" para continuar capaz de operar o mundo. Ser eternamente jovem não é mais uma questão apenas de aparência e linguagem, é também uma imposição do sistema.
Daqui a alguns anos ninguém se lembrará mais que a juventude do mundo antigo foi melhor do que a velhice deste mundo eternamente jovem, ninguém se lembrará que o futebol de Pelé e Garrincha foi o melhor de todos os tempos. Os velhos que viveram a juventude do mundo estarão mortos e com eles aquela experiência. No entanto, como o mundo é feito de contradições, a população humana estará envelhecida, pois a fecundidade diminui, e em algumas décadas teremos muitos velhos, muitos adultos e poucos jovens, poucas crianças. A ideia de juventude estará subvertida, num mundo velho. A ideia da eterna juventude será uma coisa de velhos. As novas gerações terão de recuperar a infância para seus filhos, depois de recuperar o desejo de ter filhos. Talvez recuperem as fases da vida e as idades perdidas.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Livros e filmes: Algumas coisas sobre 'O apanhador no campo de centeio'
Livros e filmes: A bolha e o piropo
A pretexto de mostrar a insustentável vida em Tel Aviv, capital de Israel, o diretor Eytan Fox fez um belo filme de amor homossexual, que se tornou sucesso de bilheteria. Há alguma coisa de selvagem no amor entre dois homens que os heterossexuais não entendem. Assim como existe uma delicadeza incompreensível no amor entre duas mulheres. São justamente essa selvageria e essa delicadeza que tornam o amor “um jogo difícil de acertar”, como diz o samba. O homem se queixa das frescuras femininas, a mulher se queixa do machismo. Ou: o marido reclama da falta de interesse sexual da mulher e a mulher, da falta de carinho do homem. Essas diferenças se resolvem na paixão, quando, por algum tempo, homem e mulher parecem falar a mesma língua: o homem fica delicado como uma moça, a mulher fica disponível como um rapaz. Mas a paixão passa. O que faz duradouro um relacionamento são outras coisas. Alguém pode dizer: o amor. Muitos relacionamentos duradouros, porém, não têm amor. No amor, homem e mulher falam línguas diferentes. Por isso dois homossexuais se compreendem tão bem, falando a mesma língua. Duas lésbicas também, falando outra língua. A dificuldade do relacionamento heterossexual está em a mulher compreender a língua do homem e o homem compreender a língua da mulher. O homem que compreende a mulher é um Dom Juan, a mulher que compreende o homem é uma libertina (embora o donjuanismo seja criticado, tem certo charme, enquanto figuras como Lilith, Safo e Messalina só evocam reprovação). A motivação do amor heterossexual é o fascínio que o sexo oposto exerce sobre homens e mulheres. O mistério que provoca encantamento é o mesmo que torna a relação difícil. Que ninguém tome isso como uma análise psicológica. No fundo, é apenas um piropo. Ah se as mulheres, além de nos encantar, nos compreendessem!
Livros e filmes: Ensaio sobre a cegueira
Não li o livro, não gostei do filme. Fui vê-lo porque pensei que era imperdível um filme sobre uma obra de Saramago – o prêmio Nobel de língua portuguesa do qual nunca consegui ler um livro –, dirigido por um brasileiro também reconhecido internacionalmente. Saí dizendo: para que filmar isso? Vá lá que Saramago o tenha escrito, mas para que transformar essa história em filme? Para que fazer o público ficar duas horas assistindo àquelas cenas desagradáveis? A gente vai ao cinema para ter prazer... A cegueira é uma metáfora tão óbvia! Com o passar do tempo, algumas idéias me vieram à cabeça, algumas imagens, algumas lembranças do filme. Cada um vê o que quer ver. Não sei o que Saramago escreveu, não sei se o filme é a recriação fidedigna da obra. Sei apenas que o escritor português assistiu ao filme ao lado do cineasta e o aprovou. Sei também que Ensaio sobre a cegueira não é uma obra de arte surrealista, não é um filme de Buñel, apesar de nos remeter ao cineasta espanhol. Apesar da metáfora óbvia, ele não é repleto de simbologias e compreensões que remetem ao inconsciente, não tem cenas cômicas, não é permeado por humor. Saramago não é um autor bem-humorado. Um mistério da história é por que a personagem principal (interpretada por Julianne Moore) conserva a visão. Ela é uma pessoa boa, como mostra uma das cenas iniciais. Todos nós conhecemos pessoas boas, não? Pessoas que parecem não ser deste mundo, pessoas que fazem o bem, cuja companhia dá alegria, pessoas que são assim desde que nasceram, que parecem atrair coisas boas e que não parecem fazer nenhum esforço em ser assim. Essa idéia é quase religiosa e repugna os ateus e agnósticos, no entanto, essas pessoas existem, duvido que alguém não conheça pelo menos uma. A fábula se completa quando a visão volta para o homem que ficou cego primeiro. Isso acontece quando aquele grupo compartilha a mesma casa, que deixa de ser propriedade privada. Ensaio sobre a cegueira é nitidamente um filme comunista. Nesse sentido, Saramago é um pensador que propõe a volta ao passado. Há gente inteligente, sensível, progressista, que torce o nariz para idéias assim – são pessoas, como o adjetivo mostra, que acreditam no progresso. Me pergunto, porém, se é possível progredir assim, se não é preciso retomar valores do passado para ter um mundo melhor. A idéia de progresso é ideológico, é como a burguesia travestiu, para tornar aceitável, sua busca incessante do lucro. Recuperar valores e sentimentos da vida simples, compartilhada, um nítido contraste com a sociedade contemporânea, moderna, moderníssima, mostrada no começo do filme, na qual a estrela é o automóvel – barulhento, irritante, violento, lindo, veloz. Não à toa o filme começa numa avenida, no trânsito caótico no qual aprendemos todos a nos mover, cuja violência aprendemos a ignorar, cuja insanidade aprendemos a não ver. A criação do ambiente da cidade dos cegos é impressionante. Onde foram as locações? Tenho impressão de ser São Paulo, acho que até li alguma coisa sobre um domingo de filmagens, que interferiram numa apresentação no Teatro Municipal, mas não pude confirmar, porque, além de os letreiros do filme serem pequenos e rápidos, o (projetor) do Usina tem o péssimo hábito de acender as luzes e finalizar a projeção quando as pessoas começam a se levantar (dia desses tive de ver o apêndice de Quando j’erais chanteur com as luzes acesas). A trilha sonora de Marco Antônio Guimarães não apenas é lindíssima, mas é também uma honra para nós, mineiros. No entanto, devo dizer que as imagens da fila indiana de cegos andando pelas avenidas e ruas da cidade imunda me emociona mais na fotografia do que emocionou no cinema.
Livros e filmes: O sacerdote e o feiticeiro
Ao contrário das visões ideológicas, tanto de direita quanto de esquerda (várias de uma e de outra), o que aconteceu no Brasil sob o comando militar foi uma bagunça. O País era já uma bagunça antes, sob o governo Jango, mas a bagunça armada, dos militares, foi muito pior, porque muito mais violenta. A radicalização, ao contrário do que pensa que cresceu na noite da ditadura, foi um desejo da esquerda tanto quanto da direita. Entre 64 e 68, ao mesmo tempo em que as regras civilizadas de convivência política na nação foram quebradas, uma direita sem controle do governo e uma esquerda desacreditada da luta política e incentivada pelo castrismo, partiram para a luta armada.
Obviamente, a esquerda, sem o aparato do Estado e menos numerosa, perdeu. Perdeu a guerra e em grande parte a vida. Eram principalmente militares de baixas patentes (soldados, cabos, sargentos e um ou outro oficial) colocados na marginalidade pelo regime militar e jovens de classe média e alta, em geral universitários, que haviam liderado o movimento estudantil. Além de outros segmentos, como padres dominicanos e integrantes da esquerda católica.
A ditadura foi uma bagunça, assim como o fora antes o governo populista. O que impressiona é quão pouco ideológicas foram as ações da ditadura, como interesses particulares e instintos primitivos prevaleceram, aterrorizando o País. Ao mesmo tempo, como foram românticos os revolucionários esquerdistas (tanto um lado como o outro se denominavam "revolucionários", embora não tenha havido revolução nenhuma, nem de esquerda nem de direita), dispostos a morrer pela causa, sendo presos e torturados, assassinados como moscas. Do romantismo esquerdista, é bom que se diga, fazia parte matar inimigos e até inocentes, chegando ao extremo de "justiçar" os próprios companheiros sobre os quais pairavam dúvidas. Enfim, é um período negro da história do Brasil, da qual não ficou nada de bom, sobre a qual não há nada a aproveitar. O conhecimento que vem da leitura do livro mostra como um povo entrou num inferno, do qual os sobreviventes saíram piores do que eram.
Gênesis
O Gênesis contém um grande mistério: o acesso à árvore da vida nos foi vedado e está protegido por querubins e uma espada refulgente. Que significam estes símbolos? Por que essa proibição?
Idéias sobre o nascimento de Belo Horizonte e suas conseqüências para a história da cidade
– As cidades nascem de atividades econômicas: comércio e serviços principalmente, também indústria, e de burocracias governamentais. Belo Horizonte nasceu do nada, foi construída onde não havia nada, e o que havia foi posto abaixo. Comparar o crescimento de BH como o crescimento de uma cidade normal.
2) Os construtores da cidade ignoraram os rios e ribeirões que havia no lugar. As ruas traçadas em mapa e depois executadas no terreno cortaram cursos d’água. Que fazer? Canalizá-los...
3) Nascida no nada, Belo Horizonte abrigou a burocracia em dois níveis de poder: estadual e municipal (da capital do estado). Provavelmente também a elite econômica, que precisava estar perto do poder. Ou seja, a cidade tinha população endinheirada. Atraiu serviços para atender a essa população. Que também precisava comer – e então o comércio de alimentos, a produção local ou em fazendas em torno deve ter sido estimulada.
As sete dimensões e a sabedoria
As sete dimensões humanas
Pirâmides, guerras e turismo
Programa no GNT mostra um alemão que tem 27 lojas em Berlim, onde vende para turistas pedaços do muro mais famoso da história. Ele tem estoque de pedras – pequenas, maiores, bem maiores e realmente grandes – para vinte anos. Um absurdo do capitalismo, o tal do “mercado”. O sujeito emprega um monte de gente (vendedores, britadores, operários e outros) e ficou rico vendendo pedaços do Muro de Berlim! Keynes, o economista que salvou o capitalismo em meados do século XX, dizia que em momentos de crise o Estado precisa construir pirâmides, ou seja, nada. Ao empregar gente e comprar matéria prima, a economia volta a crescer – que é a necessidade básica do capitalismo – e gerar lucro – que é seu objetivo.