– As cidades nascem de atividades econômicas: comércio e serviços principalmente, também indústria, e de burocracias governamentais. Belo Horizonte nasceu do nada, foi construída onde não havia nada, e o que havia foi posto abaixo. Comparar o crescimento de BH como o crescimento de uma cidade normal.
2) Os construtores da cidade ignoraram os rios e ribeirões que havia no lugar. As ruas traçadas em mapa e depois executadas no terreno cortaram cursos d’água. Que fazer? Canalizá-los...
3) Nascida no nada, Belo Horizonte abrigou a burocracia em dois níveis de poder: estadual e municipal (da capital do estado). Provavelmente também a elite econômica, que precisava estar perto do poder. Ou seja, a cidade tinha população endinheirada. Atraiu serviços para atender a essa população. Que também precisava comer – e então o comércio de alimentos, a produção local ou em fazendas em torno deve ter sido estimulada.
Identidade. Quem sou, quem somos. O que leva uma pessoa a mudar de cidade? Por que o êxodo de mineiros, de belo-horizontinos, para Rio e São Paulo? Belo Horizonte é uma cidade artificial, projetada por engenheiros. Em que clima foi criada? Há, no final do século 19, com a república, um ambiente de reformas urbanas no Brasil; São Paulo passará for reforma, em 1900, e o Rio, em 1904, ambas lideradas pelo presidente (do estado de SP e depois, da república) Francisco de Paula Rodrigues Alves. A construção de Belo Horizonte precede essas reformas, e mais do que uma reforma, é uma nova cidade. Escolhe-se um lugar (os técnicos, liderados pelo engenheiro Aarão Reis, escolheram Várzea da Palma – onde fica? –, mas os políticos determinaram que fosse aqui), desenha-se uma planta e se a executa. Uma cidade criada do nada. A construção da nova capital está determinada na constituição estadual, elaborada pela república. Os inconfidentes, um século antes, planejavam mudar a capital para São João del-Rei, um projeto republicano que ultrapassava as fronteiras mineiras. Ouro Preto, antiga capital de Minas, é uma cidade que tem vida, construída pela febre do ouro, a maior cidade das Américas no seu apogeu; o ciclo do ouro nas Minas Gerais produziu a mais rica cultura brasileira até então. Ouro Preto é considerada uma cidade velha, colonial, decadente, que não pode crescer. Cidade de Minas, nome original da nova capital, pretende ser um eixo de integração entre as diversas regiões do estado, que sofrem influência do Rio (Zona da Mata), São Paulo (Sul), Bahia (Norte e Nordeste); Minas são muitas, como dirá Guimarães Rosa. Na verdade, um estado é uma delimitação territorial em grande parte arbitrária. As cidades nascem em torno de atividades econômicas, cidade é fundamentalmente uma concentração populacional em torno de comércio e serviços. A atividade econômica no Brasil do final do século 19 está no campo, cafeicultura, principalmente, criação de gado. As cidades são os locais onde os fazendeiros negociam seus produtos e compram o que precisam. É o local onde estão serviços, como escola e hospital, bancos; mais tarde telefone, televisão. Também os serviços públicos e o governo: prefeito, secretários, vereadores, funcionários públicos de uma forma geral. Mas o principal é que as cidades nascem e crescem em torno de atividades econômicas, como concentração de serviços para apoiar a atividade econômica. Belo Horizonte, ao contrário, criada artificialmente, concentra a burocracia. Não uma, mas duas: a do estado, principalmente, mas também a do município, que cresce, com o crescimento da cidade. Com o tempo vai-se formando um comércio. Mas a cidade inicialmente não tem mais do que funcionários públicos. O núcleo arquitetônico de destaque, até hoje, não poderia ser de outra forma, é formado por prédios públicos: o conjunto da Praça da Liberdade, como o palácio do governo e os prédios das secretarias. Belo Horizonte é uma cidade de funcionários públicos. Que atividade econômica existe aqui? Não há produção agrícola em torno da cidade, o que a região vai concentrar cada vez mais é a mineração, principalmente de ferro – Belo Horizonte está no meio do que se vai chamar de Quadrilátero Ferrifero. Concentra o funcionalismo público, os políticos, serviços, e tem em torno a mineração. O projeto da cidade tem defeitos: desconsidera os córregos e rios (quarteirões e quarteirões são cortados pelos ribeirões, porque a planta os ignorou; só resta então canalizá-los), não planeja a região suburbana nem a rural, só o interior da Avenida do Contorno. E não executado plenamente: o Parque Municipal, que hoje seria um local fantástico, diante do crescimento da cidade, foi reduzido a um terço da sua área original, invadido por alamedas e avenidas e prédios, principalmente hospitais e o campus médico da UFMG. Também não houve cuidado de se proteger a cidade contra o crescimento, que tornou seu planejamento inócuo. A área urbana se deteriorou, com construção de prédios enormes no lugar de casas e prédios baixos; a área suburbana cresceu sem planejamento; encostas de morros foram ocupadas por favelas, grandes concentrações de moradias construídas ilegalmente pelos próprios moradores com ajuda de leigos, sem planejamento, sem plantas, sem ruas, sem água, sem luz, sem esgotos. Calcula-se que quase a metade da população da capital seja constituída hoje de favelados, portanto, de pessoas que ocupam moradias que representam exatamente o oposto do que Belo Horizonte foi ao nascer: uma cidade planejada. Depois da sua fundação, Belo Horizonte teve apenas um momento de expansão planejada, criativa: a construção da Pampulha, por JK, na década de 1940. Hoje a região está decadente, porque, mais uma vez, os cuidados com o planejamento foram abandonados. A partir daquela época também houve o crescimento da cidade provocado pela industrialização, não mais nos limites do seu território, mas dos municípios vizinhos, principalmente Contagem, com a criação da Cidade Industrial. Em pouco tempo, Contagem vai se tornar a maior concentração industrial do estado e uma das maiores do país. Mas o que é um estado, o que é um país? Os gregos viviam em cidades, cidades-estados; reuniam-se para jogos e uniam-se para a guerra; falavam a mesma língua, julgam-se unidos por laços de origem, “os helenos”; mas cada cidade grega era independente e se bastava. Hoje as cidades são quase sempre limitações territoriais, que quando crescem muito avançam sobre municípios vizinhos, os quais não têm grande população nem força econômica próprias, formando-se as regiões metropolitanas. Mas um estado como Minas Gerais é um territóri formado por regiões e municípios e cidades-pólos que pouco têm em comum. O que o Triângulo Mineiro tem a ver com Belo Horizonte e a Grande BH? Ou com Juiz de Fora e a Zona da Mata? Ou com Montes Claros e o Norte de Minas? Ou com Governador Valadares e o Leste? Ou com Pouso Alegre e o Sul de Minas? O que estas regiões e cidades têm em comum, exceto o fato de pertencerem ao mesmo estado, de se submeterem ao mesmo governo estadual (com sede em BH, daí a importância desta capital), de terem estradas e serviços comuns integrando-as? O que então é ser mineiro? Mineiro de onde? Minas funda o Brasil, com as cidades do ciclo do ouro, com a urbanização, com a interiorização, com cultura e arte, com a Inconfidência. Talvez por isso tenha sempre tanta importância política, mesmo com a decadência, mesmo com a prosperidade do Rio e de São Paulo. Minas é decisivo em todos os episódios da história do país e está sempre no poder; o que acontece agora, com o governo de Fernando Henrique Cardoso, é exceção. Se olhamos a história do Brasil, vemos que, se Minas decaiu economicamente, tornou-se de certa forma um centro de excelência política, é como se os políticos e a política mineiros sintetizassem o país, fossem capazes de fazer o que outros estados não fazem, nem o Nordeste nem São Paulo: enxergar o Brasil como um todo. Não é à toa que JK constrói Brasília. Tancredo foi a alternativa de transição entre a ditadura militar e um governo civil eleito. (abril de 2001)
Nenhum comentário:
Postar um comentário