O leninismo representou uma ruptura com o marxismo quando criou o partido de militantes profissionais e o centralismo democrático, ou seja, um pequeno mas eficiente exército disciplinado, obediente, obstinado. Foi graças a ele que o socialismo prevaleceu na Revolução Russa de 1917, quando todas as outras forças políticas do país se mostraram incapazes de dirigi-lo.
As tarefas da revolução, porém, eram gigantescas e tomar o poder, liderando os sovietes de operários, apoiados pelos camponeses, se mostrou a menor delas. Depois foi preciso enfrentar os inimigos externos e vencer a guerra civil, reconstruir um país destruído pela guerra e pela fome. Marxistas consideravam o socialismo um sistema econômico posterior ao capitalismo, mas a URSS foi constituída numa nação agrícola, a Rússia não tinha ainda feito sua revolução burguesa, não tinha se industrializado, não tinha uma classe operária numerosa, ao contrário, o proletariado, ao qual caberia liderar a revolução, como classe mais numerosa, era minoritário.
A Rússia não tinha feito sua experiência de ascensão da burguesia, liberalismo, desenvolvimento das forças produtivas, industrialização. Ou seja, precisava fazer ao mesmo tempo a revolução burguesa e a revolução socialista, precisava fazer a revolução burguesa sob o comando dos socialistas, precisava fazer a revolução industrial sob o comando o proletariado. Isso num país agrário, tradicionalmente centralizado, burocratizado e autoritário.
Os sovietes tomaram o poder, o partido de Lênin dirigiu a insurreição, Trotski organizou o Exército Vermelho, a revolução venceu. E o Estado, a organização socialista, a nova economia? Essas variáveis levaram a Revolução Russa a se tornar o que foi, com ajuda da sorte: Lênin, o líder inconteste do partido, seu criador, e referência moral da revolução, adoeceu e morreu, Stalin, um soldado do partido, medíocre e autoritário, assumiu o controle, afastou, prendeu, exilou e matou seus adversários. Era talvez mais fácil instaurar uma ditadura na URSS do que um novo Estado democrático e socialista. É preciso lembrar que os mais valorosos comunistas e operários russos morreram na revolução e na guerra civil, ou mais tarde, resistindo ao novo ditador.
Sob a ditadura de Stalin, a URSS se industrializou, coletivizou a agricultura, progrediu e passou incólume a grande crise econômica do capitalismo de 1929, que abalou o mundo, gerou o fascismo na Europa e o new deal nos EUA. Era, porém, uma sociedade longe, muito longe, de ser socialista; era sim uma sociedade de economia estatal, burocratizada, autoritária, que se corrompeu e deixou de ser imune à economia capitalista mundial, depois da segunda guerra. Era um enclave de modelo diferente daquele predominante no capitalismo desde 1945, o liberal, com liberdades, parlamento, partidos, eleições, assim como eram enclaves as ditaduras militares da América Latina, e é hoje a China comunista.
O modelo russo mostrou-se incompetente, insustentável, e ruiu, no final dos anos 80, assim como ruiu a ditadura militar no Brasil. Nesse sentido, é um progresso para a humanidade que tenham sido derrotados não apenas os regimes fascistas, como também as ditaduras, impondo-se ordens políticas baseadas em liberdades, tolerância, convivência entre adversários.
Não podemos esquecer, porém, como tenta nos convencer o capitalismo, que as ditaduras militares na América Latina serviam ao capitalismo, mas o Estado stalinista NÃO SERVIA ao socialismo. O socialismo, conforme sonhado pelos utopistas e previsto por Marx, não é uma sociedade totalitária e burocrática como foi a URSS. O que o fim da URSS e das ditaduras fez foi, de certa forma, devolver a política aos limites da social-democracia europeia do século XIX, antes da primeira guerra, ou seja, a ideia de aprimoramento e superação do capitalismo pela via pacífica, eleitoral, reformista.
O capitalismo sofreu reformas depois da grande depressão e da derrota do nazismo; com o fim das ditaduras militares e do bloco soviético, o modelo político democrático liberal se impôs, carregando com ele um neoliberalismo econômico, que fracassou nesta nova crise econômica mundial. Também no antigo bloco soviético, o neoliberalismo fracassou como alternativa ao antigo “socialismo”.
Na América Latina ascendeu o reformismo, nos EUA foi eleito um presidente negro. Depois da febre neoliberal, parece que o mundo se encontra não apenas no modelo político liberal, mas também no capitalismo que exige intervenção estatal e planejamento.
Enquanto isso, exceção à regra mundial, que sobreviveu à derrocada do “socialismo real” e à onda neoliberal, a China segue em frente, como uma incógnita cada vez mais poderosa. De um lado, é a civilização mais antiga do planeta e sempre se considerou o centro do mundo, por sua civilização, tamanho do seu território e contingente populacional (um em cada cinco seres humanos é chinês); as tradições chinesas nunca foram abandonadas pela revolução, ao contrário. No entanto, seu desenvolvimento atual se faz como a ocidentalização, com a importação do capitalismo, um sistema de origem europeia. Ao mesmo tempo, seu sistema político é uma bem-sucedida cópia do partido leninista russo. Enfim, o sistema da China é menos comunista ou capitalista do que chinês.
E o Brasil, o que é? Não tem nem a força da civilização chinesa, nem o ideal pragmático da sociedade americana, nem a experiência de várias etapas capitalistas da Europa. Fomos colônia, fomos monarquia, fomos ditadura. O Brasil ainda está se formando, e não há dúvida de que Lula é uma personagem fundamental nessa formação. O que virá depois dele?
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