quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Desenvolvimento é miséria

Desenvolvimento é o outro nome do lucro. Uma espécie de codinome de quem tem vergonha do seu nome. Basta trocar a palavra “desenvolvimento” pela palavra “lucro” nas várias situações em que aquela aparece para entender isso. Desenvolvimento sustentável é uma expressão contraditória no capitalismo – o lucro não está e nunca esteve interessado em qualquer coisa que tenha a ver com racionalidade, planejamento, futuro, novas gerações, o outro e coisas assim que remetem à justiça e à igualdade. Aliás, o que está por trás de tudo isso é o capitalismo, que as pessoas insistem em negar, como se ignorá-lo o fizesse desaparecer.

É possível existir desenvolvimento quando grande parcela da humanidade passa fome? É possível existir desenvolvimento quando grande parte das crianças é privada de alimentos, moradia, saúde e escola? É possível existir desenvolvimento quando uma pequena parcela da humanidade consome a maior parte das riquezas produzidas em todo o mundo? É possível existir desenvolvimento quando os alimentos são envenenados com agrotóxicos? É possível existir desenvolvimento quando os ricos e mares são sujos, assoreados e contaminados? É possível existir desenvolvimento quando o ar recebe continuamente fumaças poluidoras? É possível existir desenvolvimento quando as matas são derrubadas? É possível existir desenvolvimento quando as espécies animais e vegetais são extintas? É possível existir desenvolvimento quando os pólos são degelados e o clima se altera em todo o planeta? É possível existir desenvolvimento quando milhões e milhões de pessoas vivem na mesma cidade? É possível existir desenvolvimento quando as pessoas gastam horas e horas por se locomovendo de casa para o trabalho e do trabalho para casa? É possível existir desenvolvimento quando o trânsito das cidades vive engarrafando por milhões de veículos individuais?

É evidente que o processo que torna nossa vida assim não é desenvolvimento. No entanto, o chamamos por esse nome porque seu nome foi abolido dos discursos: capitalismo. O capitalismo é o sistema econômico movido pela geração do lucro. Tudo que se faz na economia da sociedade visa ao lucro dos proprietários – proprietários dos bancos, proprietários dos serviços, proprietários das indústrias, proprietários do comércio, proprietários do dinheiro. Enfim: proprietários do capital, capitalistas. Numa palavra: capitalistas. A existência do lucro depende da venda cada vez maior, da produção cada vez maior. É para isso que a sociedade produz cada vez mais, cada vez “melhor”, cada vez produtos mais “modernos”. Isso nada tem a ver com “desenvolvimento”.

Imaginemos, porém, autoridades, políticos, empresários e especialistas a todo momento argumentando a favor do “lucro” – em vez do “desenvolvimento” –, da necessidade de os capitalistas “lucrarem” – em vez da necessidade de o país se “desenvolver”. Não é difícil perceber que o apelo não convenceria muitos. A grande maioria da população quer – aqueles que não são proprietários, que não são capitalistas, aqueles que vivem do seu trabalho – é trabalho, renda para pagar suas contas, satisfazer necessidades elementares: comer, morar, vestir, se locomover, cuidar da saúde, cuidar dos filhos, se divertir. Se o discurso oficial dissesse que é preciso gerar lucros cada vez maiores para os capitalistas para que o restante da população possa satisfazer suas necessidades, é bem provável que as massas trabalhadoras humanas colocassem em dúvida essa necessidade. Pois o desenvolvimento, no capitalismo, funciona como a origem divina dos reis funcionou em outros sistemas econômicos: inquestionável.

O lucro é questionável, o direito de propriedade dos capitalistas é questionável, mas o desenvolvimento não. Por isso foi preciso substituir a idéia de lucro pela idéia de desenvolvimento. Trata-se de uma idéia unânime: todos querem o desenvolvimento – a maioria, porém, porque não associa desenvolvimento a lucro, pensa que desenvolvimento é uma coisa boa, que a beneficiará, embora a vida passe sem que receba tais benefícios.

Para os capitalistas, a vida é uma eterna festa, só o que interessa é desfrutá-la. O dinheiro compra tudo, inclusive o trabalho de todo o resto rebotalho humano, que existe apenas para servi-los. A próxima geração não interessa, o que acontecerá com o planeta depois que eles morrerem não interessa. O futuro não existe, a vida é agora, é preciso aproveitá-la intensamente, cada vez com mais luxo, com mais prazeres, mais comodidades, mais maravilhas. Não importa a fome que seu luxo produz, não importa a destruição que a produção desenfreada de riquezas gera. Os capitalistas movem o mundo e o seu mundo é um mundo de luxo e lixo, riquezas e destruição. Luxo e riquezas para eles, destruição e lixo para todos.

Do ponto de vista do desenvolvimento – considerado como ideologia que os capitalistas usam para enganar as massas trabalhadoras – a preservação da Amazônia e do Pantanal, para não dizer do Cerrado e da Mata Atlântica, entre outros biomas, é uma grande vantagem. No futuro – ou seja, para as próximas gerações, que o capitalismo ignora –, ter grandes ecossistemas preservados será um benefício muito maior do que qualquer produção de riquezas industriais e agropecuárias. No final do século XXI, ou talvez antes, recuperar o meio ambiente será a grande palavra de ordem, pois significará a preservação da vida – humana, inclusive – sobre o planeta.

Não é assim, porém, que o “desenvolvimento” (lucro) pensa – ele quer destruir a Amazônia, o Pantanal e o que mais for possível para “produzir alimentos para matar a fome do mundo”, nas palavras do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, o maior plantador de soja do mundo. Como se a soja que ele planta realmente matasse a fome do mundo, como se ele produzisse por amor à humanidade e não amor ao lucro. Retirem-lhe os lucros estupendos financiados com dinheiro do Banco do “Desenvolvimento” Econômico e Social (BNDES), e vejamos durante quanto tempo ele continuará a plantar. Certamente, como qualquer outro capitalista, mudará de ramo, buscará outra atividade lucrativa, sem remorso por não “matar a fome do mundo”.

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