Programa no GNT mostra um alemão que tem 27 lojas em Berlim, onde vende para turistas pedaços do muro mais famoso da história. Ele tem estoque de pedras – pequenas, maiores, bem maiores e realmente grandes – para vinte anos. Um absurdo do capitalismo, o tal do “mercado”. O sujeito emprega um monte de gente (vendedores, britadores, operários e outros) e ficou rico vendendo pedaços do Muro de Berlim! Keynes, o economista que salvou o capitalismo em meados do século XX, dizia que em momentos de crise o Estado precisa construir pirâmides, ou seja, nada. Ao empregar gente e comprar matéria prima, a economia volta a crescer – que é a necessidade básica do capitalismo – e gerar lucro – que é seu objetivo.
Não é muito diferente do que fez Lula com o PAC e o Bolsa Família, no auge da crise econômica atual. O fato de economistas e jornalistas econômicos terem se surpreendido com o sucesso brasileiro no enfrentamento da crise só revela sua incompetência presunçosa. O governo distribuiu renda para pobre (Bolsa Família) e ricos (empreiteiras contratadas no PAC), que mantiveram a economia em movimento, comprando. E ainda ficaram rindo até as orelhas, felizes com o lulismo, como se pode ver em qualquer solenidade de inauguração ou lançamento de ações do governo, sempre lotada de gente em estado de hipnose, que aplaude o novo pai dos pobres e lhe confere aprovação quase unânime.
O que impressiona no caso do Muro de Berlim é que a riqueza é gerada por pedaços de pedra, que, enquanto estavam juntos e de pé, eram apenas um monumento à intolerância e ao ódio. Os restos do muro não têm nenhuma importância material, não têm nenhum valor útil, no entanto geram riqueza, porque há turistas dispostos a comprá-los. O turista é uma das personagens típicas do mundo contemporâneo, substitui talvez, como tipo sociológico, o camponês imbecil da França e outras partes do mundo capitalista em desenvolvimento nos séculos XIX e XX. Para servi-lo, o capitalismo põe em movimento inúmeras indústrias interligadas e transforma todo o mundo num gigantesco parque de diversões.
Onde houver um muro de Berlim para mostrar a turistas boquiabertos haverá turismo. Todos consumirão os produtos do lugar como uma nuvem de gafanhotos e levarão uma lembrancinha, incluída ou não no pacote, mas sempre negociada a preço de ocasião. Afinal, de volta para casa, depois de colocar o entulho num canto, em exibição, jamais terão novamente a chance de obter um suvenir por preço tão bom... Quanto valerá um pedaço do Muro de Berlim importado? Além do mais, sempre há o risco de falsificação, e um pedaço do Muro de Berlim “certificado” custará não dez dólares, mas cem...
Mas, pra que é que serve mesmo um pedaço do Muro de Berlim? Ninguém sabe. Pior: 99,99% dos turistas consumidores talvez não tenham ideia do significado do muro. Uma atividade absolutamente inútil movimenta a economia, emprega trabalhadores e enriquece empresários. É pra isso que servem os pedaços do Muro de Berlim e os turistas. Fica rico quem tiver pedaços do muro para vender, ou quem inventar uma novidade inútil – um kinder ovo, uma puca, um gogo’s. (Crianças e jovens são outros exércitos de consumidores tratados como imbecis pelo capitalismo.)
O verdadeiro mistério do mundo capitalista é de onde vem o dinheiro. Quando o Estado constrói pirâmides, ele põe dinheiro em circulação, mas o dinheiro do Estado é fictício, porque o Estado não produz nada, e ainda por cima fabrica dinheiro. Os economistas dizem que imprimir muito dinheiro cria inflação e desvaloriza a moeda, mas isso é mais uma das bobagens que os economistas dizem e os jornalistas repetem. A crise atual foi uma aula sobre a ignorância dessa gente. Há décadas os EUA vivem de fabricar dinheiro e continuam dominando o mundo.
Há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã economia. Analistas mais razoáveis dizem que há muito mais crédito correndo o mundo do que dinheiro para pagá-lo. Ou melhor, do que riqueza correspondente, isto é, produtos úteis gerados pelo trabalho. É assim desde que o capitalismo é capitalismo; antigamente, de tempos em tempos, corria um boato sobre a incapacidade de o banco pagar seus investidores, estes corriam para sacar o seu e o banco quebrava. O banco quebrado devia a outro, que também quebrava, e a crise estava instaurada. A de 1929, que quase pôs fim ao capitalismo e gerou a Revolução de 30 no Brasil, sem a qual não seríamos como somos hoje, foi, dizem historiadores, simples assim.
Foi quando Keynes inventou a construção de pirâmides, que o presidente americano Roosevelt adotou. E o Estado criou mecanismos para proteger o sistema bancário, que, em resumo, consistem em o Estado, que nunca quebra, bancar o prejuízo dos banqueiros (e depois distribuí-lo com toda a população). Assim, a dívida do Estado aumenta ainda mais. Como dívida é promessa de pagamento, o mundo capitalista vive de promessas, empurrando a realidade sempre para o futuro. Os ricos gastam por conta, gastam o que não têm, papéis e mais papéis, que nada têm a ver com riqueza concreta, graças a essa outra mágica ilusionista do capitalismo, que foi substituir produtos por dinheiro.
Qualquer faminto sabe que um pão vale mais do que um pedaço de papel impresso com cifrões, no entanto, no capitalismo, é o papel que dá acesso ao pão! Quem tem papel tem pão, quem não tem, morre de fome... Os ricos, que não plantam nem fazem pão, acumulam toneladas de papéis e com eles compram todo o pão do mundo. Os ricos são poucos, mesmo que passem o dia inteiro comendo não conseguem consumir todo o pão do mundo, mas têm montanhas de dinheiro e precisam gastá-lo. Enquanto isso, ficam famintos aqueles muitos que não têm papel impresso com cifrões, mesmo que sejam capazes de trabalhar e produzir, mesmo que eles mesmos tenham plantado o trigo e feito pão...
A contradição é a essência do capitalismo. Riqueza e destruição, progresso e barbárie – guerra. Guerra é outra forma que o capitalismo tem de sair de crises, é uma espécie de pirâmide, que cria riquezas (tecnologias, inclusive, como esta internet) destruindo e matando. Não é curioso que tenhamos passado por guerras e matança de dezenas de milhões de seres humanos para ter as sofisticadas tecnologias que nos dão tanto conforto hoje? Há muito tempo guerras não são frutos de conflitos entre povos, mas uma indústria imprescindível ao funcionamento do sistema. Afinal, que confronto pode haver entre nações num mundo globalizado, em que o capital está em toda parte? A guerra é a morte transformada em indústria, organizada, planejada, sofisticada. Assim como o tráfico de drogas, com seus exércitos, violências e matança regular não são um defeito do sistema, mas parte integrante dele. No capitalismo, qualquer negócio é lícito.
Guerras, pirâmides e – sabemos agora, nós, brasileiros – Bolsas Famílias, nos tiram das crises eternas do capitalismo. A diferença entre guerras e Bolsas Famílias é a diferença entre Lula e FHC, entre Obama e Bush, reformismo e neoliberalismo. O absurdo do capitalismo é que exista gente comprando pedaços de muro e gente morrendo de fome. Para o capitalismo, essa contradição não tem a menor importância, o que interessa é movimentar a economia. O capitalismo não estabelece relação entre as necessidades dos seres humanos, muito menos as necessidades de todos os seres humanos, igualmente, e o crescimento, o “desenvolvimento”, o movimento econômico, enfim, que gera o lucro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário