quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Agricultura orgânica já!

Quem se informa sobre agrotóxicos fica estarrecido*. A produção capitalista de alimentos é um processo de envenenamento – dos consumidores, do meio ambiente, dos agricultores. O Brasil é o maior consumidor de venenos agrícolas do mundo. Agricultores usam agrotóxicos para matar pragas e possibilitar que os vegetais cresçam bonitos e perfeitos. Acontece que juntamente com a eliminação das pragas, os venenos eliminam os insetos que se alimentam delas, os pássaros que se alimentam dos insetos e daí por diante, interferindo em toda a cadeia alimentar natural. Não é só isso: os venenos penetram a terra, atingem os cursos d’água e se espalham pelo ar, contaminando o meio ambiente. Mais ainda: intoxicam os agricultores, às vezes de forma aguda, às vezes de forma crônica. Por fim, envenenam os consumidores, pois parte deles fica retida nos alimentos que comemos. Não é à toa que doenças como câncer aumentam. (Uma rápida busca na internet indica inúmeros trabalhos que relacionam câncer e agrotóxicos, entre eles pesquisa de doutorado da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, realizada em 2007, no Sul do estado.) O uso de agrotóxico é tão perigoso que sua compra é similar à de remédios de tarja preta: só pode ser feita mediante apresentação de receita prescrita por um engenheiro agrônomo, que fica retida na loja. O armazenamento e o transporte devem seguir procedimentos rigorosos, sob responsabilidade de um profissional especializado e registrado, como farmácias devem ter farmacêuticos. Os produtores rurais devem seguir normas de manuseio e usar equipamentos protetores. Além disso, são obrigados a devolver as embalagens lavadas três vezes (como assim? Gastam e sujam mais água com veneno? Para onde vai essa água?); o posto de coleta as encaminha às indústrias, que por sua vez devem encaminhá-las ao Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias, ao qual cabe incinerá-las (poluindo o ar) ou reciclá-las. Segundo o instituto, 20% das embalagens de agrotóxicos não são devolvidas, ou seja, ficam jogadas no ambiente, provocando mais envenenamento. A fabricação de agrotóxicos deve ser autorizada pelo governo federal e a autorização passa por três ministérios: Agricultura, Saúde e Meio Ambiente. A fiscalização fica a cargo dos estados – em Minas é feita pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), que tem poucos fiscais. Se os agrotóxicos são tão perigosos, por que continuamos a consumi-los? Porque a lógica capitalista domina, porque o lucro é mais importante que a saúde e o meio ambiente, porque meia dúzia de multinacionais fabricantes de venenos agrícolas – e transgênicos, pois são as mesmas – é mais poderosa do que todo o restante da população, porque a grande produção para o mercado e os interesses estatais imediatos de exportação prevalecem sobre interesses de longo prazo. É como o aquecimento global: as catástrofes estão mais que anunciadas e já é tarde para contê-las, mas os interesses dos países ricos prevalecem sobre os da população mundial e continuaremos a provocar o efeito estufa com novos carros, novos desmatamentos, novas indústrias, novas urbanizações, novas práticas destruidoras do meio ambiente. No Acre, fazendeiros usam agrotóxicos para eliminar ervas daninhas no pasto. Resultado: ficam contaminados os trabalhadores, que não usam equipamentos de proteção, a terra, o gado, que come grama com veneno, e a população, que come carne envenenada. De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, do IBGE, mais de 1,5 milhão de propriedades rurais do país usam agrotóxicos e 56% dessas não seguem qualquer orientação técnica; apenas 21% de todas as propriedades recebem instrução regular sobre o uso dos produtos químicos.** É evidente que precisamos substituir a grande monocultura de exportação com uso intensivo de agrotóxicos por uma agricultura familiar em pequena escala para consumo local que usa meios orgânicos de combate a pragas e preserva o meio ambiente. Eventualmente, alguns alimentos podem ser produzidos em grande escala para exportação, como acontece com produtos industriais, feitos de matérias mortas, mas a experiência capitalista mostrou que a alimentação não pode seguir o mesmo modelo. Comemos alimentos com agrotóxicos, colhidos antes do tempo, transportados por grandes distâncias, congelados – lindos e envenenados. Essa fartura a que estamos acostumados, por encontrar nos supermercados todos os alimentos bonitos e baratos, é um conto de fadas. Não precisamos de tantos alimentos – não é à toa que estamos cada vez mais obesos, em contradição com os pobres subnutridos; é mais saudável para nossos corpos, para a sociedade e para o meio ambiente que os alimentos sejam cultivados em regiões próximas, produzidos em pequenas plantações, na tradicional agricultura familiar, ou até em hortas caseiras. O melhor para todos só não é melhor para a lógica capitalista e sua meia dúzia de multinacionais. (Aposto que os executivos e acionistas das empresas fabricantes de agrotóxicos consomem orgânicos.) 2010 é ano de eleição para presidente e governadores. A agenda ambiental está na ordem do dia. Devemos exigir dos candidatos que seu governo adote não apenas as metas de redução de emissões para conter as mudanças climáticas, compromisso que o governo Lula assumiu na conferência de Copenhague, mas adote a agricultura orgânica como modelo de produção agrícola brasileira.

* Uma boa leitura sobre o assunto é a revista do projeto Manuelzão, da UFMG, que acompanha o uso de agrotóxicos na Bacia do Rio das Velhas.

** Repórter Brasil. http://www.reporterbrasil.org.br

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