O campeonato brasileiro, dito Brasileirão, mas que eu considero brasileirinho, chega ao final, de forma aparentemente emocionante, com três clubes embolados nos três primeiros lugares: Fluminense, Corinthians e Cruzeiro, 65, 64 e 63 pontos. Faltam só duas rodadas, mas, a julgar pelas duas últimas, podem haver mudanças nas posições, e o título está em aberto. Ouso dizer, porém, que esta 36ª rodada foi decisiva. Os destaques deste campeonato foram as participações dos árbitros e dos clubes que perderam interesse na competição.
O Fluminense retomou a vantagem, vencendo o São Paulo, beneficiado pelo tropeço do Corinthians (empatar com o Vitória, que jogava em casa e precisava vencer, para escapar do rebaixamento, não é nenhuma zebra), enquanto o Cruzeiro fez sua parte e venceu o Vasco (o desespero do clube de azul na semana passada não se justificou).
Para não vencer, o clube paulistano contou com um pênalti também polêmico (eu acho que foi, acho que o árbitro deve sempre beneficiar o ataque, em vez de deixar passar botinadas e bolas na mão; nas peladas a gente decide as dúvidas de forma muito mais justa). Mais grave, porém, foi perder Ronaldo. Sem o gordo fenomenal, o Corinthians voltou a ser um time comum. Como não deve jogar nas duas últimas partidas, o timão pode tropeçar até diante do Vasco e do Goiás.
De qualquer forma, o tricolor carioca só depende dele para ser campeão: vencer o Palmeiras "de olho na Sul-Americana" e o Guarani "rebaixado ou virtualmente rebaixado" não deve ser mais difícil do que golear o São Paulo "entrega!". Mais difícil é a tarefa do clube mineiro, que precisa derrotar o Flamengo, no Rio, antes de pegar os reservas do Palmeiras na última rodada.
A rodada de ontem, muito mais do que a anterior, que, no entanto, provocou celeuma, ao que tudo indica, foi a decisiva para o campeonato. Mostrou que o clube preferido peo senador eleotp Aécio Neves jogou a toalha antes da hora. Se havia esquema armado, ele não beneficiou o clube pelo qual torce o presidente Lula, mas o clube do coração de Chico Buarque. Ou será que, ao botar a boca no trombone, Cuca, seus comandados e superiores conseguiram reverter a armação, levando o tricolor paulista a entregar e o árbitro gaúcho compensar o resultado daquele Corinthians 1 X 0 Cruzeiro com outro pênalti duvidoso?
O fato é que na penúltima rodada, Cruzeiro e Corinthians precisarão derrotar times que também precisam vencer: o novo clube do treinador Luxemburgo "de triste memória" luta contra o rebaixamento, enquanto o Vasco, embora estaja em situação melhor, não está livre da degola e precisa vencer também para garantir uma vaga na Copa Sul-Americana.
Vencendo os reservas do Palmeiras, o Flu porá uma mão na taça – quem sabe com as duas. Conquistará um título que era fácil e parecia certo, mas quase deixou escapar. Na verdade, o pior cenário naquele confronto entre paulistanos e belo-horizontinos, na 35ª rodada, seria vitória dos visitantes. Mas, convenhamos, o Cruzeiro reclamou da derrota, não do empate, com o qual estava bem conformado.
Digamos que o clube paulista e o time mineiro empatem no próximo domingo e o carioca vença: seria preciso que o Guarani realizasse a proeza de vencer o time treinado pelo tricampeão Muricy para que este não se torne campeão. Futebol é imprevisível e tanto é possível que o Fluminense perca para o Palmeiras quanto Corinthians e Cruzeiro podem vencer Vasco e Flamengo.
Na parte inferior da classificação, Grêmio e Goiás já foram degolados; Guarani (37 pontos), Vitória, Avaí, Atlético Goianiense (40), Atlético Mineiro (42), Flamengo (43), Ceará e Vasco (46) continuam lutando para não cair. Exceto o time de Campinas, todos ainda podem conquistar as duas vagas em aberto na Copa Sul-Americana. Como Vasco e Ceará se enfrentam na última rodada, no Rio, é praticamente certo que um dos dois ficará com uma vaga e apenas a outra restará para os demais.
A luta contra a degola é menos equilibrada: Flamengo enfrenta, em casa, o Cruzeiro "ainda com esperança de ser campeão", em casa, e o Santos "de férias", fora. O Galo enfrenta o Goiás "rebaixado", em casa, e o São Paulo "de férias", fora. O Atlético GO enfrenta o São Paulo "de férias", em casa, e o rival Vitória, fora. O Avaí joga contra o Santos "de férias", em casa, e o Atlético PR "de férias", fora. O Vitória, antes do confronto decisivo com o Atlético GO, enfrenta antes o Internacional "de olho no título mundial" (mas que ganhou do Botafogo ontem), fora. O Guarani enfrenta o Grêmio "de férias", em casa, e o Flu "defendendo o título", fora.
O que chama atenção é como, nesta reta final, a classificação está sendo decidida por clubes que nada mais têm a ganhar ou perder (além de árbitros que usam critérios diferentes em lances semelhantes). Palmeiras, São Paulo, Grêmio, Botafogo, Atlético PR, Santos e Internacional são clubes que entram em igualdade de condições em qualquer confronto, seu desempenho pode definir quem será campeão e quem cairá, no entanto, não têm nenhuma motivação para vencer. Alguém supõe que o São Paulo seria goleado como foi ontem se precisasse vencer para ser campeão? Ou que o Palmeiras ficasse tão conformado com a derrota como esteve ontem. Lembremos que ambos jogavam como mandantes.
Se o campeonato termina com as emoções da indefinição do título e dos rebaixados até a penúltima rodada, é certo também que para grande parte dos torcedores ele não tem motivação nenhuma. Sempre defendi a fórmula dos pontos corridos, inegavelmente mais justa – por ela, o Galo, um dos clubes mais regulares até o começo dos aos 2000, teria conquistado o bicampeonato em 1977 e provavelmente outros títulos mais. É preciso reconhecer, porém, que a emoção foi varrida pela justiça.
Justiça parcial, aliás. Mais grave do que a perda de emoção é que este campeonato está longe de ser um "brasileirão", está muito mais para um brasileirinho. Como chamar de nacional uma competição com 20 clubes num país que tem 26 estados e um Distrito Federal? Nem que fosse um clube de cada unidade da Federação, estaria esta representada. Nós, do Sul Maravilha, ignoramos o que acontece no Nordeste, no Norte e no interior do país, mas nesses lugares também se joga futebol. Com muito mais emoção e mais torcedores nos estádios do que aque entre nós. Se os clubes dessas regiões não têm projeção nacional é porque estão fora das tevês – também concentradas aqui, e mais precisamente em São Paulo e Rio – e não têm grandes patrocionadores. Tal situação só mudará quando eles fizerem parte do campeonato nacional, o que jamais acontecerá numa competição restrita a 20 agremiações.
A experiência nos ensina e eu defendo que já está na hora de o futebol brasileiro criar uma nova fórmula de campeonato nacional. Uma mistura de Copa do Brasil com Brasileirão, com duas fases distintas. Um campeonato com clubes de todos os estados – digamos, 40, ou um pouco mais (número ímpar para que todos fizessem o mesmo número de partidas em casa e fora). Na primeira fase, todos se enfrentariam, em turno único: o primeiro colocado seria o campeão brasileiro. Na segunda, disputariam os 16 melhores, na fórmula de copa: o campeão seria o campeão da Copa do Brasil.
Teríamos assim a mistura da justiça com a emoção, e poderíamos chamar a competição realmente de Campeonato Brasileiro.
Num campeonato com 41 clubes, a queda de quatro para a segunda divisão é razoável, num campeonato de 20, não. A série B não qualifica um time para sobir para a série A, ela funciona muito mais como punição. Ao mesmo tempo, ainda que não exista grande diferença entre os quatro últimos e outros times da série A, quatro estão condenados a cair. O Brasil tem alguns clubes que estão à frente dos outros (e mesmo estes costumam tropeçar), mas a imensa maioria parte se compara. Não é justo que um caia e outro não. Menos justo ainda é que seu lugar seja ocupado por um time pior. Tudo isso se pôde ver este ano.
Num campeonato verdadeiramente nacional, com 40 clubes (ou um pouco mais), a queda contemplaria os piores e subir seria um prêmio cobiçado por aqueles que tenham caído no ano anterior. Ainda que caíam quatro clubes da regiões esquecidas do país, a maioria dos estados continuaria representada. Para que esta situação fosse revertida, seria preciso um longo período e que o futebol destes estados comprovasse sua inferioridade. Ainda assim, haveria chance de que, com o tempo, o quadro mudasse. Enquanto isso, os brasileiros teriam a recompensa de conhecer mais sobre todo o país, que muitos consideram se limitar ao eixo Rio-SP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário