quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Livros e filmes: O sacerdote e o feiticeiro

O primeiro livro da série sobre a ditadura militar, do Elio Gaspari (na grafia de nomes, ele segue, em geral, a regra do seu próprio: não põe acentos), é um livro fundamental. Livros fundamentais são aqueles que mudam a forma como a gente vê o mundo: Crime e Castigo, por exemplo, quando o li, aos dezessete ou dezoito anos. Trata-se de uma tetralogia ou mais que isso, com o nome genérico "O sacerdote (Geisel) e o feiticeiro (Golbery)"; não pretende contar a história da ditadura militar (1964-1985), apenas reconstituir como a dupla citada entrou e saiu dessa aventura, como os dois criaram o regime militar e como acabaram com ele. Eu já havia lido o terceiro livro, "A ditadura derrotada", mas não me impressionou como esse.
Por que é um livro fundamental? Porque, ao reconstruir o golpe militar e a gradativa radicalização do regime, com riqueza de detalhes jornalísticos e sob vários pontos de vista, a partir dos arquivos de Golbery e Geisel, e centenas de entrevistas, ele nos dá uma visão nova da história do período.
Ao contrário das visões ideológicas, tanto de direita quanto de esquerda (várias de uma e de outra), o que aconteceu no Brasil sob o comando militar foi uma bagunça. O País era já uma bagunça antes, sob o governo Jango, mas a bagunça armada, dos militares, foi muito pior, porque muito mais violenta. A radicalização, ao contrário do que pensa que cresceu na noite da ditadura, foi um desejo da esquerda tanto quanto da direita. Entre 64 e 68, ao mesmo tempo em que as regras civilizadas de convivência política na nação foram quebradas, uma direita sem controle do governo e uma esquerda desacreditada da luta política e incentivada pelo castrismo, partiram para a luta armada.
Obviamente, a esquerda, sem o aparato do Estado e menos numerosa, perdeu. Perdeu a guerra e em grande parte a vida. Eram principalmente militares de baixas patentes (soldados, cabos, sargentos e um ou outro oficial) colocados na marginalidade pelo regime militar e jovens de classe média e alta, em geral universitários, que haviam liderado o movimento estudantil. Além de outros segmentos, como padres dominicanos e integrantes da esquerda católica.
A ditadura foi uma bagunça, assim como o fora antes o governo populista. O que impressiona é quão pouco ideológicas foram as ações da ditadura, como interesses particulares e instintos primitivos prevaleceram, aterrorizando o País. Ao mesmo tempo, como foram românticos os revolucionários esquerdistas (tanto um lado como o outro se denominavam "revolucionários", embora não tenha havido revolução nenhuma, nem de esquerda nem de direita), dispostos a morrer pela causa, sendo presos e torturados, assassinados como moscas. Do romantismo esquerdista, é bom que se diga, fazia parte matar inimigos e até inocentes, chegando ao extremo de "justiçar" os próprios companheiros sobre os quais pairavam dúvidas. Enfim, é um período negro da história do Brasil, da qual não ficou nada de bom, sobre a qual não há nada a aproveitar. O conhecimento que vem da leitura do livro mostra como um povo entrou num inferno, do qual os sobreviventes saíram piores do que eram.
Não é à toa que a violência dos traficantes campeia, sem controle do Estado; não é à toa que os políticos de esquerda que chegaram ao poder desde 1985 traíram e continuam traindo seus eleitores, dedicados a governar para si e para os seus. A ditadura tornou o País ainda mais amoral do que era. Nós, brasileiros, somos ruins, muito ruins.

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