quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A família morreu? Viva a escola!

Gosto de imaginar uma sociedade em que as crianças crescessem iguais, cercadas de amor e limites. Acredito que assim, tendo os mesmos cuidados e oportunidades, se formariam seres humanos melhores, mais solidários, mais justos, mais felizes. Nessa sociedade, as crianças pequenas começariam sua vida escolar num ambiente acolhedor, no qual a preocupação não é a alfabetização ou coisas do gênero, para as quais elas terão muito tempo vida afora, mas brincar com outras crianças, aos cuidados de adultos capazes de educá-las.

Sonho com mais, porque o Clic!* – escola que não é escola, lugar que de tão novo e ao mesmo tempo tão antigo nem nome tem ainda – é o lugar possível na cidade que tem cada vez menos espaços para convivência, que vê suas casas sendo derrubadas para dar lugar a espigões e os carros lotando as ruas. Sonho com ambientes que envolvam os pais e a comunidade, que ofereçam a melhor estrutura adequada para as crianças. Sonho que, na idade seguinte, elas freqüentem escolas que tenham muitas árvores, jardins, hortas, bichos; que tenham piscinas, quadras, pistas, campos de futebol; que tenham oficinas, ateliês, salas de música, palcos, bibliotecas. No meu sonho, o espaço adequado para uma escola seria o Parque das Mangabeiras...

(Parêntesis: Não é curioso que o campus da universidade pública seja imenso, enquanto as escolas fundamentais públicas têm instalações acanhadas? Não é curioso que as escolas fundamentais particulares (geralmente católicas) sejam amplas, enquanto faculdades particulares se multiplicam em prédios improvisados, verticais? Escolas particulares e universidade federal têm como alunos os filhos dos ricos; escolas públicas fundamentais e faculdades particulares são para filhos dos pobres. No Brasil existe esta curiosa inversão: os filhos dos ricos estudam em boas escolas particulares, por isso passam no vestibular da boa universidade pública; os filhos dos pobres estudam em péssimas escolas públicas, por isso não passam no vestibular da universidade pública e têm de pagar pelas péssimas (com exceções) faculdades particulares. Um fato, porém, não muda: os filhos dos ricos ocupam sempre os melhores espaços físicos escolares.)

O Clic! é o lugar possível, iniciativa de educadoras que há cerca de dez anos constroem uma nova forma de cuidar dos nossos filhos pequenos. Forma nova que não é inteiramente nova, como eu disse, mas que se torna imprescindível no mundo contemporâneo, no qual moramos em apartamentos, muitas famílias são remendadas, muitos filhos são únicos e nem as mães têm tempo para cuidar deles. Há uma ou duas gerações podíamos viver sem um Clic!; morávamos em casas com quintais, convivíamos com os vizinhos, andávamos nas ruas sem medo, entrávamos e saíamos das casas dos nossos amigos. Enfim, tínhamos espaço para brincar e nos socializar. Hoje, porém, confinadas nos apartamentos pombais, as crianças precisam de áreas de convivência. Esses novos empreendimentos imobiliários que combinam apartamentos minúsculos com grandes áreas comuns, em bairros nobres da cidade, procuram resolver isso. É melhor as crianças passarem o dia “lá embaixo” do que ficarem presas no apartamento.

O espaço é muito importante, mas não é tudo. As novas gerações, cujos pais e mães trabalham em horário integral, crescem cuidadas por babás e avós, ocupadas em escolinhas disso e daquilo. Elas precisam do que toda criança precisa, e que nós tivemos quando éramos crianças, na forma das nossas mães e dos nossos pais, muito mais presentes: educadores, adultos preparados para educar.

Nossos pais, principalmente nossas mães, erraram na nossa educação, com certeza, muitas vezes, mas cumpriram essa função. Muitos dos problemas que a sociedade enfrenta hoje vêm da falta de educação. Os pais não estão mais presentes para educar, babás e avós não educam como os pais, apenas quebram o galho, afinal não são seus os filhos. Professores também não educam, grande parte deles vai à escola apenas para ensinar a matéria; mal pagos, assoberbados e, antes de tudo, despreparados, não são capazes de educar. O resultado é que as crianças crescem sem educação.

Educação para mim é amor e limite. Na mesma medida. Não se educa sem amor, é o amor que dá segurança à criança. Não se educa sem limite, que forma o caráter, prepara para a convivência social. Poucas avós e avôs conseguem educar. O que dizer das babás e empregadas domésticas? Nada contra essa classe repleta de seres extraordinários a quem devemos tanto, mas quantas educarão nossos filhos como nós achamos que eles devem ser educados? No entanto, deixamos que eles passem mais tempo com elas do que conosco...

E os professores? Todos nós guardamos na memória professores ou professoras que amamos. Isso acontece porque eles foram mais do que professores, foram educadores. No entanto, foram a minoria. Se os professores mal dão conta de educar seus filhos, serão capazes de educar os nossos?

É por isso que eu sonho com uma escola que tenha educadores e não só professores. Sonho com esse lugar novo em que nossos filhos cresçam cuidados por profissionais vocacionados para educar, nas mais diversas áreas: psicólogos, pedagogos, artistas, pediatras, atletas, cozinheiras... Um lugar privilegiado em espaço físico, equipamentos, qualificação (e remuneração) dos educadores. Um lugar público, freqüentado por todas as crianças, independentemente da sua origem social. Um lugar democrático como a sociedade que muitos sonharam e sonham ainda. Pois, se não somos mais capazes de educar nossos filhos, precisamos dar a eles esse lugar ainda sem nome onde possam crescer brincando com outras crianças, sendo cuidados com amor e limites.

* Clic! significa Centro Lúdico de Interação e Cultura.

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