quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Rato de banca

Uma das minhas motivações mais antigas é a leitura. Ela foi despertada pelas bancas de revista, com suas publicações atraentes, prometendo conteúdos surpreendentes. Quando tinha dez anos, cheguei a tomar conta de uma banca, fazendo favor ao funcionário, em troca da leitura grátis de revistas. Durante muitos anos fui rato de banca de revista, conhecia todos os títulos, identificava todos os lançamentos, sabia dizer o que era bom e o que não era. Embora já tivesse folheado exemplares de InTerValo, que falava dos astros da Jovem Guarda, e fotonovelas que minhas irmãs e primas liam, foram as histórias em quadrinhos que me levaram a freqüentar as bancas de revistas. Depois dos quadrinhos vieram jornais e revistas adultos. Na essência, meu prazer continuou o mesmo: descobrir nas bancas publicações novas, revistas que eu não possuía, jornais que eu não conhecia. Foi sempre assim, não por causa de propaganda (eventualmente, as próprias revistas e jornais anunciavam uma nova publicação e, se me interessasse, eu as procurava), que eu conheci Opinião, Argumento, Bondinho, Grilo, Ex- e outras maravilhas dos anos 70. Eu dominava visualmente as prateleiras das bancas de revistas que eu freqüentava, as melhores da cidade, aquelas mais completas. Normalmente, eu conhecia mais os produtos que eles vendiam do que os donos ou funcionários, mas alguns sabiam do que eu estava falando, quando procurava uma publicação que estava atrasada ou não viera naquele mês. Tinha então um prazer ..... em olhar as capas das publicações expostas, em busca de novidades. É um prazer especial esse que revistas e jornais proporcionam oferecendo-nos belas imagens, belos títulos, essa beleza que nos atrai para pegá-las e lê-las, para devorá-las, nos apropriarmos delas, comprá-las. Falo isso a propósito da revista Brasileiros, que me faz reviver este prazer de comprar uma publicação pela beleza da sua capa, pela curiosidade do seu conteúdo. Hoje, jornais e revistas têm capas enganosas, são produtos sem vida, feitos apenas para vender. Raramente sinto a alegria de folheá-los nem percebo que aquela publicação foi feita com entusiasmo, com paixão, com arte, enfim. Uma boa publicação é uma obra de arte, descobri isso quando comecei a ler quadrinhos. Aprendi assim a diferenciar as publicações de qualidade e aquelas medíocres. Às vezes me pergunto por que fiz jornalismo. Foi certamente influenciado pelas bancas de revistas. Não foi certamente para fazer matérias burocráticas para jornais nem para produzir belas publicações para empresas e instituições. No exercício profissional, para sobrevivência, aprendi a fazer isso. Sei identificar um belo produto, sei como fazê-lo. Temos em Belo Horizonte hoje um excelente exemplo de publicação produto, um caso que merece atenção e estudo, porque é a primeira vez que isso acontece, desde os anos 60, quando deixou de circular a revista Alterosa. A revista Encontro é um produto editorial: tem setor comercial eficiente, está cheia de anúncios, produz edições especiais afinadas com as efemérides, tem excelentes fotógrafos e repórteres que passaram pela escola Vejinha de produzir matérias de comportamento, envolve nas suas matérias a classe média belo-horizontina, como fontes. Principalmente, a revista está circulando há vários anos e tudo indica que já se afirmou no mercado, é quase leitura obrigatória na cidade. Embora seja lida principalmente em salas de espera de consultório e chegue às residências da zona sul gratuitamente, a revista também está nas bancas. Na sua edição de 23 de maio, surpreendeu pela manchete: Sexo pago, o mundo oculto do prazer envolve muitos outros Ronaldos de setores diversos. A foto de uma bela mulher seminua e a legenda indicando que se trata de uma garota de programa tornam a revista atraente, capaz de motivar a compra. A matéria não nega a capa, com fotos produzidas, boxes e o tradicional modelo de entrevistar especialistas e personagens, amarrando tudo num texto que tenta discutir o fato do momento de forma aparentemente profunda e agradável. Qual é o problema desse tipo de jornalismo, que predomina no país? É que a matéria não surpreende o leitor, não é criativa, não traz nada de novo. Ela apenas costura informações que todos nós já temos e deixa, ao final, a sensação de comemos um pastel de vento. Repito: é um tipo de jornalismo que se pratica também nas outras revistas, as grandes, inclusive, quase todas paulistas. É um tipo de entretenimento, uma leitura para distrair, mas é também um tipo de informação que forma a opinião pública, ao repetir com a autoridade da palavra escrita e das análises de especialistas idéias que fazem parte do senso comum. É nesse sentido que se pode dizer que hoje a visão de mundo que as pessoas têm não vem da família, da escola ou da religião, mas dos meios de comunicação. Há também outro tipo de publicação, que divulga informações e opiniões de interesse de quem paga por ela. Nos últimos anos essa prática se tornou cada vez mais profissional, de forma que bons profissionais são contratados para dar à publicação aparência de um produto imparcial e tentar motivar a leitura. Seu conteúdo, porém, por mais bem escrito e mais bonito que seja, é burocrático, mostra apenas um lado da questão, o lado que pode interessar o leitor, mas certamente interessa muito mais ao patrocinador. Há publicações específicas dedicadas a isso, as edições especiais, mas há também conteúdos assim em outras publicações, misturadas com os conteúdos de entretenimento. A alegria de comprar o Estado de Minas de domingo, para ler as histórias do Negrim do Pastoreio, no Gurilândia. A decepção, quando em vez dos quadrinhos do Nilson, saíam outras histórias sem graça, medíocres. Quem leu o Negrim do Pastoreio, a Bondinho, o Grilo dos primeiros tempos e o Ex- das últimas edições sabe o que é o prazer de ler publicações de qualidade. Uma boa publicação é cem por cento criativa, faz com que textos e imagens sejam uma coisa só. Que elegância, que sofisticação têm os desenhos toscos do Nilson! Que obras de arte foram os últimos Ex-! Uma boa publicação é como uma obra de arte, tem que emocionar. O leitor tem que sentir que o autor está falando para ele, com sinceridade, não o está apenas tentando convencê-lo a comprar um produto. Há belas capas que escondem conteúdos medíocres, e há também belos conteúdos prejudicados por apresentações ruins, que não estão à sua altura. A boa publicação precisa ter unidade no conteúdo e na aparência, precisa ser boa nos dois. Infância, adolescência, quando começam, quando terminam Brasileiro e Encontro têm a mesma capa, motivada pelo episódio Ronaldo. Na BR, Nando Reis. Ora, Ronaldo se beneficia dos benefícios da fama, mas ela tem também custos.

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