(COMPARAR COM AS SETE DIMENSÕES)
A vida humana é determinada por cinco variáveis (biológica, educação, idiossincrasias, acontecimentos e escolhas), que existem em três contextos (família, lugar e época).
A primeira variável é biológica: cada um de nós é sistema biológico particular, com determinadas características herdadas do pai e da mãe, desde a fecundação: o porte físico, as feições, o cabelo, a cor da pele, a cor dos olhos, os dentes, doenças e debilidades, forças.
A segunda variável é a educação que recebemos dos nossos pais: valores, medos, neuroses, visão de mundo, comportamentos. (A primeira e a segunda variáveis são devidas ao pai e à mãe, embora a educação não seja necessariamente feita por eles.) – No meu caso: a honestidade, a correção nas ações, a obediência à autoridade, a religião católica conservadora, a vida caseira, a forma de lidar com a asma.
A terceira variável são as características individuais, idiossincráticas: embora recebam a mesma carga genética e a mesma educação, dois irmãos não se formam iguais, pois têm características próprias. No meu caso, identifico a sensibilidade, a indignação com a injustiça, o dom de desenhar, a facilidade para escrever, a timidez, a paixão pelas meninas bonitas, a imaginação.
A quarta variável é o que acontece conosco, os acontecimentos determinantes. No meu caso: o primeiro amor, a carta e sua leitura por papai; a influência para ir para a escola técnica; a influência para entrar na militância; a pedrada no olho; ser reprovado no mestrado; a cooperativa; a oportunidade no JB; a demissão no JB; a demissão na Veja...
A quinta variável são as escolhas que fazemos. No meu caso: a ida para a escola técnica, a entrada na militância, a entrada no curso de jornalismo, a volta para Mafá, o casamento, a saída da prefeitura de Ibirité, a separação, abandonar o jornalismo; morar com Vanessa; largar a última remuneração fixa, vender carro etc., entregar a sala alugada...
Tudo isso acontece numa família (algum tipo de), numa classe social, num lugar (bairro, cidade, país) e numa época (décadas, época histórica, sistema).
Tudo isso torna cada existência única, ainda que muitas variáveis façam com que as pessoas se identifiquem e se agrupem. Se eu juntar tudo isso, monto o quebra-cabeça da minha vida, que eu preciso entender.
É um exercício interessante de conhecimento montar este quebra-cabeça na ordem inversa à que descrevi, começando pela época histórica.
1- Época
Minha vida acontece nos séculos XX e XXI da era cristã; época em que a economia capitalista se expandiu por todo o planeta, com convulsões sociais, guerras, revoluções, crescimento populacional, desigualdades, avanços tecnológicos e mudanças ambientais, aumentando exponencialmente as riquezas e as destruições.
Avanços tecnológicos: computador, avião, televisão, cinema, celular, internet, satélites, energia elétrica, energia nuclear, automóvel, combustíveis derivados do petróleo. O homem começou as viagens espaciais e chegou à Lua (em 1969), atualmente manda naves não tripuladas para investigar o espaço e enviar imagens e sinais para a Terra.
A população do planeta se multiplicou, ultrapassando 6 bilhões de seres humanos na primeira década do século XXI. A ação do homem está provocando mudanças climáticas no planeta, degelo dos polos, poluição de rios e mares, destruição das florestas, poluição do ar, contaminação da terra, extinção de espécies animais e vegetais.
O mundo está dividido em nações, muitas das quais se reconfiguram, limitações territoriais e organizações políticas que coexistem com uma economia globalizada, telecomunicações que unem e migrações intensas.
Nasci num período em que o mundo vivia a guerra fria, um confronto tenso mas sem guerras entre duas potências, Estados Unidos e União Soviética, que lideravam dois sistemas econômicos e dois blocos de países, capitalista e socialista, respectivamente, situação que mudou no final da década de 1980, portanto há 30 anos, com a queda dos regimes no bloco soviético e da economia socialista. Ao falar de socialismo é preciso esclarecer que se trata de uma corrente política, nascida com a Revolução Francesa, elaborada ao longo do século XIX e que pretendia substituir o sistema capitalista por um sistema superior, igualitário, mais evoluído, por meio da revolução operária; a revolução não se realizou nos países capitalistas mais avançados, realizou-se em dois países atrasados, agrícolas, mas em vez da sociedade mais evoluída o que se viu neles foram ditaduras e organizações sociais defeituosas; um desses regimes, o chinês, continua existindo, mas tornou-se um capitalismo com planejamento estatal e autoritarismo. À dissolução do bloco soviético sobreveio uma onda neoliberal, direitista, que acabou na crise atual, que mudou governos e iniciou uma nova onda intervencionista, mais à esquerda.
Minha visão do mundo contemporâneo é que o capitalismo é por natureza injusto, desigual, imediatista e destruidor; ele cria luxo e lixo. A continuidade do sistema, no grau de destruição que ele provoca, levará a humanidade a catástrofes, que aliás já estão acontecendo. O capitalismo vem sobrevivendo por incapacidade demonstrada pelos trabalhadores no século XX de fazerem a revolução socialista e pelo uso de regimes políticos nazi-fascistas, ditaduras e guerras. Grande parte dos socialistas e dos trabalhadores, especialmente nos países capitalistas mais desenvolvidos, se acomodou com reformas sociais e políticas no capitalismo, abdicando de tomar o poder e de fazer a revolução. Os capitalistas fizeram concessões, de forma que o Estado atual, de forma geral, é um Estado que contempla interesses de outras classes, além da classe capitalista. Ao mesmo tempo, as sociedades vem fazendo no capitalismo mudanças que fariam parte do socialismo, seja na forma de políticas sociais e ambientais, seja em iniciativas particulares e de grupos, que criam novas instituições, novos comportamentos, novas relações. É como se a evolução da humanidade não pudesse esperar, e não existindo ainda o sistema socialista, ela cria formas socialistas dentro do capitalismo. O que significa que a revolução operário, quando vier, se vier, não será mais aquela revolução prevista por Marx e Engels, feita por Lenin e Trotski; ela encontrará formas socialistas já em andamento e conviverá com elas.
2- Lugar (bairro, classe social, cidade, país)
Nasci e sempre vivi no Brasil, numa região chamada Minas Gerais, na sua capital, chamada Belo Horizonte.
O que sei sobre o Brasil.
Nasci, cresci e vivi no bairro da Lagoinha até os 31 anos. Depois morei em outros bairros: São Lucas, Barroca, Santo Antônio e, atualmente, Carmo. Vi a cidade crescer e mudar: na infância, morei em casa com terreiro, brincava na rua e nas casas dos outros, em lotes vagos, no campo de futebol perto de casa, as famílias eram numerosas, se conheciam e conviviam; hoje vivemos em apartamentos, a rua é dos carros e dos bandidos, mal conhecemos os vizinhos e não convivemos com eles, as crianças brincam dentro de casa, com jogos eletrônicos e veem tv, têm poucos irmãos ou nenhum.
Pertenço a uma classe ampla, que é a classe média, mas experimentei variações nela: o bairro onde nasci e cresci é um bairro mais pobre, poucos dos meus colegas fizeram universidade e raríssimos cursaram profissões nobres – eu e meus irmãos inclusive fizemos cursos despretensiosos, da área de ciências humanas. Frequentar a universidade, porém, foi uma mudança de ares, um período em que os limites da classe se desfaziam, especialmente na Fafich e nos anos de luta contra a ditadura militar. Tornando-me jornalista, frequentei o sindicato (criação da cooperativa) e cheguei à redação do principal jornal do país e fui chefe da sucursal da principal revista. Com isso, circulei por todos os ambientes da sociedade, viajei pelo estado e a outras capitais, e conheci pessoas de outras classes sociais, inclusive ricos e poderosos. Continuei pobre, sem casa, carro velho, mas com trânsito em novos ambientes e alguma ascensão econômica.
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