Alguns artistas têm um grande disco, um momento na carreira em que se mostram gênios. Às vezes a genialidade volta a se manifestar numa nova obra. É quase como se não devessem ter feito outra coisa, para que nos lembrássemos deles apenas em seus momentos mágicos. Como Caymmi, que levava nove anos para terminar uma canção e a finalização podia ser apenas uma frase. Milton Nascimento tem um disco genial, dois, porque foram um álbum duplo: Clube da Esquina. Nunca mais fez nada que se equiparasse a ele, o que não é um demérito. O músico prosseguiu na sua genialidade que ultrapassou as montanhas e conquistou o mundo.
Clube da Esquina continua genial ainda hoje, mais de trinta anos depois. É maravilhoso o arranjo em Clube da esquina n° 2, assinado por Eumir Deodato (Quem se lembra dele? Os americanos e os europeus se lembram. Basta citar que é seu o arranjo para a fantástica Killing me softly, de Roberta Flack. Sabe aquela versão popular do erudito Assim falava Zarastustra, de Richard Strauss? Também é dele. Quem se der ao trabalho de conferir os créditos de discos de Björk também vai encontrar algumas vezes o nome de Deodato. Isto para ficar em apenas três exemplos do sucesso desse colecionador de discos de platina que trabalhou com as maiores estrelas internacionais e fez as trilhas de alguns dos maiores sucessos de Hollywood.).
Em Trem de doido, a guitarra de Beto Guedes se equipara ao deus Eric. A bateria de Rubinho tem rara suavidade em San Vicente, assim como a bateria de Robertinho Silva em O trem azul bate no coração. É inesquecível o violão de Lô Borges em Tudo que você podia ser, assim como o órgão de Wagner Tiso (epa!) em Um girassol da cor do seu cabelo. Os coros são deliciosos e até mesmo a voz limitada de Lô é gigantescamente agradável Que beleza o solo de Alaíde Costa em Me deixa em paz! (que tem ainda o baixo de Luiz Alves).
Sobre a voz de Milton Nascimento, o ponto mais alto entre cumes musicais, não há o que dizer, é sublime como devem ser as vozes dos deuses; poucos seres humanos têm voz tão bela. E em todas as canções unem-se os talentos virtuosos de músicos e cantores compondo um conjunto harmonioso. O disco flui do começo ao fim despertando prazeres e mais prazeres, como fazem os grandes álbuns. Às vezes fico imaginando Clube da Esquina como um disco apenas instrumental, ou cantado em inglês, porque a voz de Milton Nascimento é um instrumento imprescindível: seria um magnífico disco de jazz. Fico em dúvida se mesmo em português não o é.
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