Ano: 2000 Gravadora: Universal Music
Faixas: 1- Desde que o samba é samba
2- Você vai ver
3- Eclipse
4- Não vou pra casa
5- Desafinado
6- Eu vim da Bahia
7- Coração vagabundo
8- Da cor do pecado
9- Segredo
10- Chega de saudade
Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Carlos Lyra, Roberto Menescal, os irmãos Vale e muitos outros a enriqueceram, mas Bossa Nova é João Gilberto. Gosto de todos os seus discos. O CD “O mito” (do qual ele não gostou, é claro) é um registro histórico, pois reúne os primeiros lps do cantor. No final da década de 90 tive o privilégio de assistir a um show de João em Belo Horizonte, no Minascentro. Atrasou cinqüenta minutos, felizmente. Eu tinha medo de que ele não aparecesse, mas o atraso fazia parte do espetáculo. Confesso que me deleitei na espera, ao contrário de muitos que se levantaram e foram embora. Não sabem o que perderam. Muitos ficaram sob protesto, inclusive a mulher que me acompanhava, mas bastou João começar a cantar para que a plateia caísse em silêncio profundo. Foi como se aquela hora perdida diante de um palco vazio nunca tivesse existido. Diante do gênio, todos nós reverenciamos. E João estava tão bonzinho! Reclamou de um arzinho, de um barulhinho, do microfone, mas com tanta delicadeza, com tamanha tolerância, que nos emocionou. Não parou de cantar nem foi embora por isso. Cantou, tocou, fez caretas, demoradamente e com bom humor tal que até atendeu pedidos. Eu mesmo gritei “Aos pés da cruz”, e não é que ele a cantou?
João é o único cantor brasileiro que eu escuto enquanto trabalho, sem que me perturbe; normalmente, escrevo ao som de música clássica ou jazz, música estrangeira. Quando João canta, a letra das canções não tem importância, porque a voz de João não canta letras, a voz de João é um instrumento, que toca palavras. A João bastaria ter sido responsável pela influência que transformou os Novos Baianos e nos deu “Acabou Chorare”, mas, para quem não viveu a experiência inesquecível de ver João cantar ao vivo, estão aí seus discos imperdíveis.
Lançado em 2000, “João voz e violão” é mais ou menos o disco daquele show, gravado em estúdio. É um disco horrível e lindo, pode levar o epíteto “o pior de João Gilberto”. Tem na capa uma modelo em pose autoritária, dedo indicador rente aos lábios pedindo silêncio. Na ficha, ficamos sabendo que é Camila Pitanga, a bela, belíssima, que não posa nua para revistas masculinas, essa vulgaridade dos nossos dias. O gesto faz sentido, quando se começa a ouvir o disco.
Faça o teste: coloque outro disco para tocar e regule a altura que você escuta música. Para a comparação não ficar descabida coloque outro disco de samba, de bossa nova – Elis & Tom, por exemplo. Depois troque por “João voz e violão”. Você levará mais de dez segundos para ouvir algum som. Não é defeito no seu aparelho. João não canta, sussurra. Se você prestar muita atenção e houver silêncio absoluto, você será capaz de identificar uma canção saindo do seu tocador de CD. É “Desde que o samba é samba”, de Caetano Veloso, que produziu o disco. Além de duas do produtor, “João voz...” tem também músicas de Gilberto Gil, Tom e outros autores menos famosos que João sempre gravou.
“João voz...” é um disco para educar nossos ouvidos. Em meio a um mundo tão barulhento de motores, buzinas e alarmes, de guitarras e gargantas elétricas, precisamos de atenção para ouvir a voz e mais concentração ainda para perceber o violão, que não esconde o cantor. Mas, se na segunda vez, resolvermos aumentar o volume alguns pontos, ouviremos a melodia escapando pelas caixas de som e flutuando no ar. Compreendemos versos sendo pronunciados nitidamente. Apreciaremos pérolas, como “Segredo”, de Herivelto Martins e Marino Pinto.
“Segredo” é o ápice do disco. Estamos acostumados a cantarolá-la com a voz cheia, melodramática, como a letra sugere e Dalva de Oliveira gravou-a. João nos ensina uma outra canção, que não cansa e não é piegas. Os versos saem da sua boca como uma conversa e, no entanto, melodiosos como jamais ouvimos antes. João não pronuncia “comentar o passado”, que dá um forte “ta-ro-passado”; ele suprime o r, e a letra fica delicadamente coloquial: “Teu mal é comentá o passado”. Coisa de gênio, que faz parecer simples o que ninguém fez antes. Ouvindo “Segredo”, descobrimos o que é cantar e suspeitamos que foi João quem inventou a música.
Depois ainda tem a indefectível “Chega de saudade”, a última faixa. Foram apenas 30 minutos e 13 segundos. O jeito é colocar o CD para girar novamente. E se não prestar atenção, a gente se esquece, mas escuta, baixinho, e às vezes presta atenção. Como música ambiente, de elevador, sala de espera.
Trinta minutos passam voando, o melhor é apertar a tecla de repetição e ouvir durante horas. Como um medicamento de efeito lento. Como um tratamento para ouvidos insensibilizados. “João voz e violão” vicia. Para que ouvir outra coisa? Foi mesmo João Gilberto quem inventou a música.
Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Carlos Lyra, Roberto Menescal, os irmãos Vale e muitos outros a enriqueceram, mas Bossa Nova é João Gilberto. Gosto de todos os seus discos. O CD “O mito” (do qual ele não gostou, é claro) é um registro histórico, pois reúne os primeiros lps do cantor. No final da década de 90 tive o privilégio de assistir a um show de João em Belo Horizonte, no Minascentro. Atrasou cinqüenta minutos, felizmente. Eu tinha medo de que ele não aparecesse, mas o atraso fazia parte do espetáculo. Confesso que me deleitei na espera, ao contrário de muitos que se levantaram e foram embora. Não sabem o que perderam. Muitos ficaram sob protesto, inclusive a mulher que me acompanhava, mas bastou João começar a cantar para que a plateia caísse em silêncio profundo. Foi como se aquela hora perdida diante de um palco vazio nunca tivesse existido. Diante do gênio, todos nós reverenciamos. E João estava tão bonzinho! Reclamou de um arzinho, de um barulhinho, do microfone, mas com tanta delicadeza, com tamanha tolerância, que nos emocionou. Não parou de cantar nem foi embora por isso. Cantou, tocou, fez caretas, demoradamente e com bom humor tal que até atendeu pedidos. Eu mesmo gritei “Aos pés da cruz”, e não é que ele a cantou?
João é o único cantor brasileiro que eu escuto enquanto trabalho, sem que me perturbe; normalmente, escrevo ao som de música clássica ou jazz, música estrangeira. Quando João canta, a letra das canções não tem importância, porque a voz de João não canta letras, a voz de João é um instrumento, que toca palavras. A João bastaria ter sido responsável pela influência que transformou os Novos Baianos e nos deu “Acabou Chorare”, mas, para quem não viveu a experiência inesquecível de ver João cantar ao vivo, estão aí seus discos imperdíveis.
Lançado em 2000, “João voz e violão” é mais ou menos o disco daquele show, gravado em estúdio. É um disco horrível e lindo, pode levar o epíteto “o pior de João Gilberto”. Tem na capa uma modelo em pose autoritária, dedo indicador rente aos lábios pedindo silêncio. Na ficha, ficamos sabendo que é Camila Pitanga, a bela, belíssima, que não posa nua para revistas masculinas, essa vulgaridade dos nossos dias. O gesto faz sentido, quando se começa a ouvir o disco.
Faça o teste: coloque outro disco para tocar e regule a altura que você escuta música. Para a comparação não ficar descabida coloque outro disco de samba, de bossa nova – Elis & Tom, por exemplo. Depois troque por “João voz e violão”. Você levará mais de dez segundos para ouvir algum som. Não é defeito no seu aparelho. João não canta, sussurra. Se você prestar muita atenção e houver silêncio absoluto, você será capaz de identificar uma canção saindo do seu tocador de CD. É “Desde que o samba é samba”, de Caetano Veloso, que produziu o disco. Além de duas do produtor, “João voz...” tem também músicas de Gilberto Gil, Tom e outros autores menos famosos que João sempre gravou.
“João voz...” é um disco para educar nossos ouvidos. Em meio a um mundo tão barulhento de motores, buzinas e alarmes, de guitarras e gargantas elétricas, precisamos de atenção para ouvir a voz e mais concentração ainda para perceber o violão, que não esconde o cantor. Mas, se na segunda vez, resolvermos aumentar o volume alguns pontos, ouviremos a melodia escapando pelas caixas de som e flutuando no ar. Compreendemos versos sendo pronunciados nitidamente. Apreciaremos pérolas, como “Segredo”, de Herivelto Martins e Marino Pinto.
“Segredo” é o ápice do disco. Estamos acostumados a cantarolá-la com a voz cheia, melodramática, como a letra sugere e Dalva de Oliveira gravou-a. João nos ensina uma outra canção, que não cansa e não é piegas. Os versos saem da sua boca como uma conversa e, no entanto, melodiosos como jamais ouvimos antes. João não pronuncia “comentar o passado”, que dá um forte “ta-ro-passado”; ele suprime o r, e a letra fica delicadamente coloquial: “Teu mal é comentá o passado”. Coisa de gênio, que faz parecer simples o que ninguém fez antes. Ouvindo “Segredo”, descobrimos o que é cantar e suspeitamos que foi João quem inventou a música.
Depois ainda tem a indefectível “Chega de saudade”, a última faixa. Foram apenas 30 minutos e 13 segundos. O jeito é colocar o CD para girar novamente. E se não prestar atenção, a gente se esquece, mas escuta, baixinho, e às vezes presta atenção. Como música ambiente, de elevador, sala de espera.
Trinta minutos passam voando, o melhor é apertar a tecla de repetição e ouvir durante horas. Como um medicamento de efeito lento. Como um tratamento para ouvidos insensibilizados. “João voz e violão” vicia. Para que ouvir outra coisa? Foi mesmo João Gilberto quem inventou a música.
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