Escrevendo sobre a experiência do Clic!* aprendi o pulo do gato em educação que é a autonomia. Em contraposição à educação autoritária, em que se ensina a ordem e a criança aprende a obedecer, a educação para a autonomia ensina à criança que ela é capaz e desenvolve suas competências. Um ser humano dependerá sempre do comando, o outro será livre. Esta é uma questão existencial, ou melhor, ela desmancha como um castelo de areia toda a problemática do existencialismo. O dilema da liberdade, ponto central da lenda do Grande Inquisidor, assunto principal da obra magnífica de Dostoiévski e toda a literatura do século XIX, desaguando no existencialismo, em Sartre, em Camus, é um dilema da educação autoritária. Posto de outra forma: é mais uma contradição que o capitalismo cria, ao propor a liberdade como ideal sem oferecer as condições para realizá-lo. O indivíduo educado para a liberdade desde a infância não enfrenta esse dilema, porque não o compreende, a liberdade faz parte da sua vida desde sempre, é um alimento da sua conduta, ela não a coloca em dúvida. O pássaro livre não conhece o dilema da gaiola aberta. O pássaro nascido e criado na gaiola não foge quando vê a porta da gaiola aberta; se foge, morre na natureza, pois não aprendeu a sobreviver nela. Por isso, ecologistas e biólogos treinam animais ameaçados de extinção reproduzidos em cativeiro, quando vão devolvê-los à natureza. Em contrapartida, animais criados na natureza morrem de tristeza quando são capturados e mantidos em jaulas e gaiolas. A liberdade não é uma questão filosófica, é uma questão natural – ou social. A liberdade só é uma questão filosófica quando colocada no ambiente de contradições do capitalismo. O existencialismo é uma filosofia de pássaro preso na gaiola, que de repente vê a portinha aberta. Fugir ou não? Esta – a educação para a autonomia – é a resposta para anos e anos de angústias e questionamentos que eu trago desde a adolescência, quando comecei a pensar. Engraçado que tive a intuição disso quando entrei em contato com o marxismo, mas a própria militância na P.O. não era então libertária, autônoma, ao contrário, era autoritária – no capitalismo, até os revolucionários são presas de contradições. A angústia humana não está resolvida assim, mas essa angústia da liberdade sim. Educado para ser independente, para resolver seus problemas, numa sociedade socialista (não capitalista), cooperativa (não competitiva), solidária (não individualista), em que o valor está em ser (não em ter), o indivíduo não experimentará o dilema de subjugar ou ser subjugado, agir por sua conta ou ser comandado. Trata-se de uma questão de formação, hábito, afinal, de visão de mundo e comportamento que se adquirem nos primeiros anos de vida e que talvez não seja possível mudar mais tarde.
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