quinta-feira, 11 de novembro de 2010

José Bonifácio e a independência

José Bonifácio foi um grande homem, dos maiores da nossa história, o maior do seu tempo. Isso por seus dotes intelectuais, dotes intelectuais de cientista, que viveu na Europa até mais de 50 anos e lá conviveu com os maiores cientistas da época; envolvido na política, foi membro da resistência ao invasor francês em Portugal e chefe de polícia em Lisboa! Voltou ao Brasil trazendo a idéia de independência, de fundação de uma nova nação.

Também tinha dotes morais: não enriqueceu na sua posição; os irmãos Andradas dão prova de probidade quando Bonifácio tem seu salário roubado de ministro e o irmão Martim Francisco, ministro da Fazenda, divide seu salário com ele, para dar exemplo e não onerar os cofres públicos com mais um salário. Os Andradas são exemplo de idealismo e patriotismo e José Bonifácio, o mais velho, o exemplo entre os irmãos.

Suponho também que Bonifácio tenha tido gênio difícil (ele diz que não suporta a mediocridade ou coisa parecida) e parece evidente que não tinha habilidade política, aquela habilidade que faz a sobrevivência dos políticos, sempre rodeando o poder, e que no Brasil é muito comum, principalmente nos pefelistas e peemedebistas.

Daí, porém, deduzir que ele é o pai da pátria vai uma grande distância. Uma coisa é o homem, outra coisa é sua obra histórica, e a história é um enigma, tão difícil é saber o que se passou realmente... O que parece ser indubitável é que José Bonifácio exerceu influência sobre Dom Pedro no primeiro momento da independência: no Fico, no 7 de setembro, na convocação da Constituinte, no começo do governo, inclusive nas repressões aos separatistas e republicanos.

Bonifácio é o idealizador do projeto de independência que se efetiva: o Brasil precisa de Dom Pedro para nascer uno, precisa da autoridade de um monarca para que a ordem se imponha; mas este monarca deve se submeter à Constituição. Neste último ponto ele falha: ao fechar a Constituinte e outorgar a Constituição, Dom Pedro rompe com os Andradas; terá talvez outras influências (Domitila e políticos, uma e outros inimigos de José Bonifácio).

José Bonifácio está jogando uma queda de braço com Dom Pedro e o imperador ganha; Dom Pedro também tem temperamento forte. Significa que o Brasil é fundado, que nasce com seu território praticamente integral (a exceção é a Província Cisplatina, independente como Uruguai), que se torna uma monarquia constitucional. Mas Dom Pedro age como um absolutista e até cria um poder para si acima de todos os outros, o poder Moderador.

José Bonifácio é afastado do poder e quando volta é novamente afastado, já sem Dom Pedro, mas diretamente por seus inimigos. D. Pedro I não mostra sabedoria nem tanto idealismo; tem interesse específico, que é o do família real portuguesa, e é brasileiro por adoção, nascido português. Os Andradas continuem a ter presença importante na política brasileira: são eles os líderes do movimento da maioridade, que leva ao trono d. Pedro II ainda com 14 anos. Serão eles que governarão, enquanto o rei acaba de crescer?

O fato é que o Brasil existe, mas não como José Bonifácio imaginou. O poder é exercido primeiro por um imperador absolutista, depois por regentes, depois novamente por outro imperador, que continua tendo poderes absolutistas (mantém o poder Moderador, nomeia o primeiro ministro e indica ministros, dissolve Câmaras).

O movimento da maioridade é continuação do movimento restaurador (liderado pelos Andradas, pela volta de Dom Pedro I), num período em que o Brasil vive guerras fatricidas (as primeiras revoltas, que Dom Pedro I sufocou, e que ficaram conhecidas como guerras de independência, não pacificaram a Nação) e corre risco ainda de se desintegrar e de se tornar republicano.

O que me parece inquestionável é que imperadores ou regentes, conservadores ou liberais, restauradores ou não, estão todos lutando para defender o projeto de José Bonifácio e Dom Pedro I: o Brasil independente, uno e monárquico. A Regência, um período em que o Brasil é governado por brasileiros comuns, em nome da Coroa, me parece ser o momento ideal para que o País se torne republicano, pois não há um rei. No entanto, o projeto de Nação persiste – não exatamente o imaginado por José Bonifácio, pois o imperador está acima de todos os poderes, mas o projeto de Dom Pedro I, que foi fortemente influenciado pelos Andradas.

E o segundo império dura quase 50 anos, se considerarmos o período regencial, são 58 anos (pós Dom Pedro I)! A monarquia durará 67 anos. A longevidade do governo de Dom Pedro II é que o torna importante – poucos governantes ficaram tanto tempo no poder, terá havido brasileiros que nasceram e morreram sem conhecer outro governante. A maior obra do império é o próprio Brasil, o que os Braganças e os Andradas nos legam é a Nação constituída, íntegra, e certamente com algumas características mais.

Tais características é que me interessa agora descobrir. Aposto no poder Moderador, um poder absolutista, numa ordem na qual o imperador está acima de todos os poderes (“imperador constitucional e defensor perpétuo pela graça de Deus e unânime aclamação dos povos, inviolável e sagrado”). A simples existência do Brasil é pouco, é preciso ver como ele se constitui, que outras características tem ou vai formando.

D. Pedro II com sua própria figura física, o imperador que nunca foi criança, que levou sempre vida regrada, e tornou-se adulto aos 14 anos, que aos 20 tem barba e cedo parece um velho (me lembra o Fernando), esse imperador encarna a figura do pai, ainda mais que fica no poder durante tanto tempo, como se fosse eterno, uma vez que não envelhece (porque foi sempre velho). Ele passa a idéia de perpetuidade.

*O poder no Brasil é cruel e bonzinho: os Andradas são presos e exilados, mas o Estado brasileiro os mantém no exterior com uma pensão; a família real também é exilada, em 1889, mas seus bens são respeitados e ela recebe uma renda que passa de geração para geração.

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