quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A morte

Maio de 1968. Minha mãe fechou a porta do quarto, solenemente, sentou-se numa cadeira diante de mim, que estava deitado na cama, e disse que precisava me contar uma coisa. Não sei por que eu sabia do que se tratava, ou compreendi assim que ela começou a falar. E quis rir. Achei engraçada aquela seriedade teatral. Se ela ou papai tivesse simplesmente me comunicado, quando eu voltei do hospital, que vovô tinha morrido, eu receberia a notícia naturalmente. Ele era velhinho, estava doente, a última vez que o vi foi deitado na cama. Me parecia natural que os velhos morressem. E quando mamãe começou a falar tive de fazer força para não rir. Abaixei a cabeça, fechei a boca com força, talvez tenha mordido o lábio. Fiquei torcendo para terminar logo, mal prestei atenção nas suas palavras e não disse nada no final. Eu ficara de fora do episódio porque estivera internado no hospital. Lembro-me de algumas coisas. Era tarde de sábado, eu pulava na cama e gritava. Meu pai ou minha mãe ou os dois me acudiram e me levaram para o médico. Estava febril, mais que febril, alucinado, e fiquei internado. Foi a mais forte crise de asma que eu tive. Nunca antes acontecera isso nem voltou a acontecer. Passei apenas dois ou três dias no Hospital Felicio Rocho e durante muito tempo me lembrei daquela temporada com certa nostalgia: a paz reconfortante do hospital, cercado de cuidados. Lembro-me do ambiente branco e silencioso, das enfermeiras sorridentes e de sentir muita paz. Lembro-me também da minha prima Sônia, que estudava num colégio vizinho e depois da aula, ainda de uniforme, me fazia companhia. Parecia natural, só depois compus o quadro: meus pais estavam muito envolvidos com os funerais do vovô, por isso não podiam ficar o tempo todo comigo. A violenta crise de asma me poupou de presenciar a primeira morte na família, de ver o primeiro cadáver, de me despedir do meu avô Dimas, o único que conheci e que fora presença importante na nossa infância. Eu tinha treze anos. A morte já aparecera duas vezes na minha vida: a primeira da minha professora do segundo ano, Maria José, a mais querida e carinhosa; morreu no ano seguinte, no parto. Quando eu tinha onze anos, morreu afogado um colega de turma, no breve período em que fiz um curso de admissão ao ginásio. Assim como acontecera com dona Maria José, fomos, em bando, direto da aula, visitar sua casa. Não o vimos também, acho que o corpo estava no IML; apenas, constrangidos, demos pêsames aos seus pais inconsoláveis. O que mais me impressionou então foi ver a pobreza da família, que morava num barraco, numa pequena favela.

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